Alexandre Sidnei Guimarães
Consultor Legislativo do Senado Federal para as áreas de Esporte e Turismo
Ao se fazer uma simples comparação dos dados relativos à construção ou reforma dos estádios para a Copa 2014 na candidatura brasileira em 31 de julho de 2007 com os dados reunidos por vários documentos no início de junho de 2011, um surpresa nada positiva: os preços saltaram de cerca de R$ 2,1 bilhões (US$ 1,1 bilhão) para mais de R$ 7 bilhões.
O que houve? Mais um superfaturamento tão comum e sempre mal explicado na história das obras em nosso País? Este texto tenta analisar o que houve e, para isso, necessita‐se partir de uma análise histórica da candidatura e da comparação com as propostas de candidaturas feitas paras as Copas do Mundo FIFA 2018 e 2022.
Primeiramente, deve‐se ter em mente que, à época da candidatura nacional, a FIFA praticava o chamado rodízio de continentes, e era a vez da América do Sul.
Houve interesse inicial de Argentina, Brasil e Colômbia. Em 17 de março de 2006, os países‐membros da Confederação Sul‐Americana de Futebol (CONMEBOL) escolheram unanimemente o Brasil como seu único candidato.
Sendo o único candidato, o Brasil teve todo o tempo para analisar os problemas, verificar as possíveis soluções e preparar um bom planejamento, com uma antecipação nunca antes dada a nenhum candidato.
Já nas apresentações feitas pelas cidades candidatas à Comissão de Avaliação da FIFA, entre agosto e setembro de 2007, ou seja, menos de dois meses depois da candidatura, a estimativa total ficou acima de R$ 4,3 bilhões de reais (cerca de US$ 2,5 bilhões, à época). Vale dizer que o total se referia ao investimento em 17 estádios, posto que uma das cidades, Belo Horizonte, não arriscou fazer estimativa de investimento nas obras do Mineirão.
Os orçamentos apresentados pelas cidades se aproximaram da realidade, comparadas aos estimados pelas quatro candidaturas à Copas de 2018 e pelas sete candidatas ao Mundial de 2022.
Menores ou comparáveis aos dados (subestimados, como se poderá constatar) pela CBF, somente os da Coreia 2022, de US$ 880 milhões (para a reforma de 13 estádios e a construção de 1), e do Japão 2022, com valores estimados variando entre US$ 700 e 1.300 milhões (para a reforma de 12 estádios e a construção de 1).
Vale lembrar que ambos sediaram, em conjunto, a Copa 2002, e que as reformas seriam apenas “retoques” nos maravilhosos estádios que já possuem; diferentemente do que se viu no Brasil, onde muitos dos projetos de reforma passaram a projetos de reconstrução, em virtude da inviabilidade de aproveitamento das estruturas arcaicas dos estádios nacionais.
Algo interessante é observar que Portugal e Espanha, que se candidataram em conjunto nos processos para as Copas de 2018 e 2022, apresentaram projetos para 21 estádios, sendo 7 já prontos (necessitando apenas de adaptações para a realização do Mundial), 9 a reformar e 5 a construir, totalizando um investimento de US$ 2 bilhões de dólares; ou que a Inglaterra, candidata a Copa de 2018, estimou gastos de US$ 2,5 bilhões para a reforma de 5 estádios e a construção de mais 5, dos 17 estádios apresentados.
As candidaturas vitoriosas da Rússia para 2018 e do Catar para 2022 estimaram gastos de, respectivamente, US$ 3,82 bilhões (para reforma de 3 estádios e a construção de 13) e US$ 3 bilhões (para também reformar 3 estádios e construir 9).
Pode‐se argumentar que esses países também poderão ultrapassar a estimativa inicial, mas, em nenhum dos dois casos, o orçamento apresentado na candidatura foi contradito ainda durante o processo de avaliação feito pela FIFA.
Aumento dos valores iniciais ocorreu (e poderá ocorrer com os próximos países‐sedes), num segundo momento, com a assinatura das Matrizes de Responsabilidades pelos governos federal, estaduais e municipais das cidades‐sedes, em que a soma dos investimentos para as obras dos estádios, e entorno desses, foi de quase R$ 5,4 bilhões (cerca de US$ 3,2 bilhões, em valores do início de 2011), constante do “1º Balanço das Obras da Copa 2014”, publicado pelo Ministério do Esporte em janeiro deste ano, e equivalente aos já supracitados de Rússia e Catar. Isso sem o estádio de São Paulo, cuja indefinição ameaça inclusive sua viabilidade como sede.
De janeiro ao início de junho de 2011, o investimento total já estava em cerca de R$ 7 bilhões, juntando os valores mostrados no estudo “O TCU e a Copa 2014”, publicado em abril, nas apresentações feitas nas rodadas do II Fórum Legislativo nas Cidades‐Sedes da Copa 2014, promovido pelas Comissões de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados (CTD/CD) e de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado Federal (CDR/SF), e nas audiências públicas feitas à Subcomissão Permanente de Acompanhamento da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 do Senado Federal (CMACOPOLIM/SF).
Segundo esses dados, públicos, mas não oficiais completamente, vemos surpresas positivas como quedas em valores em estádios como o de Brasília e o de Cuiabá, mas preocupações, como o valor incerto do estádio também indefinido da cidade de São Paulo, que pode passar facilmente dos R$ 500 milhões, ou o do Maracanã, que, ainda que “reduzido” a cerca de R$ 800 milhões, possivelmente não contabiliza a necessária reconstrução total da cobertura e sua estrutura de base.
Partimos de uma subestimação ao início de superfaturamento? Impossível saber de forma precisa; não há transparência total nos dados e estágios das obras nem nas tão proclamadas novas exigências feitas pela FIFA (quais são e em quanto aumentam os custos?).
E mais um fator surge para preocupar o contribuinte, a possível aprovação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), específico para contratos e licitações da Copa e das Olimpíadas, que, em si, não é de todo ruim, pois agilizará alguns processos licitatórios, mas a que custo se não há transparência? Pelo texto do agora Projeto de Lei de Conversão 17/11, pode tornar‐se sigiloso até o orçamento previamente estimado para a contratação de determinada licitação. O objetivo, dizem, é permitir maior concorrência; mas, por que manter o sigilo mesmo depois de encerrado o processo licitatório?
O que se tem de certo é a necessidade urgente de que todos os setores tomem frente, exijam esses dados e fiscalizem as obras. O dinheiro é público em grande parte (hoje, entre R$ 6 e 6,5 bilhões) e a Copa deve “deixar um legado de melhoria nas condições de vida do nosso povo” (e este é um tema a ser desenvolvido em estudo próprio!), como afirmou o ex‐presidente Lula em várias ocasiões. Será que a sociedade conseguirá estancar essa possível sangria de dinheiro público e obter algum benefício após o fim do Mundial de 2014?