Blog do Paraíso: A tragédia de Rali (IV parte)

segunda-feira, 25 de junho de 2007

A tragédia de Rali (IV parte)


Vocês não vão acreditar como falei com minha amada pela primeira vez. Como não, mas onde conversamos. Foi em um lugar muito ruim. Um lugar que não dá nem um estímulo, nenhuma vontade de alugar (cantar) uma mulher. Ele não é ruim somente para isso. É ruim para tudo. É um massacre. Destrói a vida. Vocês conseguem adivinhar onde foi? Não? Bom, antes de lhes revelar onde foi, farei um prólogo.

Natasha se mudou para a invasão da Vila Estrutural quando eu tinha 13 anos. No primeiro momento, não notei aquela menina magrela, que toda vez passava em frente a minha casa quando ia à padaria ou à escola. Como tenho o costume de passar algumas horas de meu tempo na calçada da minha casa, via Natasha arrastar poeira na chinela várias vezes. Todo mundo naquela cidade arrasta poeira quando caminha pelas ruas, mas, em um determinado dia, com muita cannabis na mente, percebi que o arrastar de poeira de Natasha era diferente. Suave, leve. Parecia até que ela caminhava pelas nuvens. Foi aí que comecei a mexer com ela. Desejava bom dia ou boa tarde, ela nada respondia. Mandava uns coiotes, ela nem olhava para trás. Então, pensei, parece que, a cada ação minha, o ego e o orgulho dela dobra. Portanto, acreditei, Natasha não passa de uma utopia. Compus até umas rimas, certa vez fitando a lua cheia.

- Oh! Doce, amada, querida, linda, Natasha!!
Em meu coração, agora se acha
Olho para as estrelas e te vejo, sinto, desejo
Infelizmente, nunca experimentarei do seu beijo

Oh! Amada e querida
Flor, rosa, perfume, margarida
Campos, paixão e ilusão
Por que deixa em pedaços meu coração?

Oh! Doce e amada
Todas as vezes que vejo sua passada
Imagino uma coisa que realmente não queria
Utopia! Nada mais nada menos que utopia.

Sim, amigo leitor, esse foi um dos poemas que já chorei perante a lua. Durante um bom tempo, Natasha foi indiferente comigo. Mas, quando eu estava voltado do Plano Piloto, em um desses ônibus imundo e caindo aos pedaços, ou seja, justamente no pior lugar do mundo para alugar uma mulher, Natasha embarca. Havia somente um assento. E era ao meu lado. Pensei, dessa vez ela não me escapa. Mas, quando ela sentou, não acreditei naquela cena. Fiquei sem palavras, não falei um piu. Sou um fracasso, pensei. Deixarei passar esta oportunidade de conversar com ela pela primeira vez. Já me imaginava levantando da cadeira para descer do ônibus. Como o destino é injusto. Colocou-me ao lado dessa princesa justamente dentro dessa porcaria de transporte, que sacode para todos os lados, sem falar do barulho ensurdecedor do motor. Não há nenhum clima.

- Quantas horas?
Não acredito, ela falou comigo! Ela falou comigo!! Quero dizer, ela me deu uma cantada, pois perguntar as horas no ônibus é uma investida.

- Por favor, você tem horas?
- Você vem sempre por aqui?
- É... você tem horas?
- Sim, minha bicicleta é azul!!
- Não. Eu perguntei se você pode me dizer quantas horas são.
- É de sal ou de doce?

Fiquei bobo. Olhei para ela durante alguns minutos e só então entendi o que ela estava me perguntando.

- Ah! Sim. São 19h.
- Obrigada.
- De nada.
- Eu acho que já te vi em algum lugar.

Depois de satisfazê-la com a resposta, senti-me capaz de conversar com ela. A utopia já não era tão utopia, pois ela falava a língua dos homens.

- Sim, você já me viu. Só que acho que não foi só uma vez...

Natasha se demonstrou ao meu alcance. Realmente não sabia o quanto ela era simpática. Desembarcamos na mesma parada. Conversei tudo e muito mais que devia falar com ela. Tornei-me amigo de Natasha, portanto.

Continua...

Um comentário:

Anônimo disse...

Engraçado, todos os seres do mundo (ou quase todos eles) sabem como é esse "tiuti" que dá quando a utopia da nossa vida revela falar a língua dos homens ainda mais dentro de um onibus! boas risadas...