Blog do Paraíso: Capítulo XVI

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Capítulo XVI

A cor cinza, que não está presente no lápis, na tinta e, nem mesmo, nas cinzas de carvão, estava presente no céu, mais precisamente, nas nuvens. Na verdade, era um cinza não muito cinza. Um cinza diferente. Um cinza incomum.

As nuvens não estavam como se um temporal haveria de acontecer. Muito menos, como se a tempestade tivesse acabado de passar. Elas estavam com aquele cinza diferente.

O ar estava bastante úmido. Ele era carregado por uma brisa bem refrescante. As poucas árvores presentes naquela tão badalada rua tinham em suas folhas gotas de chuvas, que estavam lá como se tivessem encontrado uma hospedaria cinco estrelas.

O dia, enfim, por coincidência ou não, era ideal para se fazer uma visita ao cemitério, onde Jacinto, agora, descansava em baixo da terra. O seu velório acontecera há uns nove meses. Ele fora baleado com três tiros, enquanto ouvia música, na calçada, com os seus amigos Marciano, Hamixiaire, Tião, Camila e Bruna.

Por pouco, Tim Maia não fizera mais vítimas. A sorte de Tião, o principal alvo, foi que a pistola engasgou, por um instante, logo após Tim Maia parar o carro e colocar o braço para fora com a arma. Os poucos segundos de falha foram suficientes para Tião se esquivar. Tim Maia, para não perder a viagem, escolheu um novo alvo, para o azar de Jacinto, que levou um tiro no peito esquerdo e dois na barriga. Ele não morreu na hora. Jacinto suportou os ferimentos até uma ambulância chegar, o socorrer e ir a caminho do hospital. Antes de chegar lá, porém, Jacinto deu seu ultimo suspiro.

Houve muita comoção na quadra inteira, pois Jacinto era um cara que falava com todo mundo e não tinha má querência com ninguém. Tião e Marciano ficaram muito revoltados, afinal, sabiam muito bem que Jacinto não devia nada para morrer daquele jeito.

- Sua morte não será em vão!!

Antes mesmo de dizer isso, Tião, acompanhado de dois comparsas dentro de um carro, foi, na mesma noite do dia do homicídio, bater na porta da casa de Pedro. Ninguém veio atender, o que aumentou mais ainda a desconfiança de Tião, que já suspeitava do envolvimento de Bruno.

- Traidor!!

- Tá, tá, tá, tá – disparou contra a casa de Pedro.

Minutos depois de Tião fugir com os comparsas, a vizinhança estava amedrontada. Correu o boato de que a rua estava em guerra. “Tudo porque um rapaz da rua de baixo matou um da rua de cima”, comentou um sujeito, no dia seguinte, numa barbearia. “Quer dizer que agora quem é da parte de baixo não pode subir e quem é da parte de cima não pode descer”, brincou outro, só que dessa vez numa padaria.

Eles estavam certos. A medida mais segura era não cruzar as duas áreas. Tião não iria sossegar enquanto não vingasse a vida de seu colega de esquina.

Marciano, Hamixiaire, Bruna e Camila também ficaram revoltados, todavia, não era da personalidade deles fazer justiça com as mãos. Primeiro porque não precisavam. Tião, com seu arsenal, daria conta do recado. Segundo, eles tinham medo de ter o mesmo destino do seu colega. Marciano, Hamixiaire, Bruna e Camila, contudo, não eram inúteis. Serviam de conselheiros. Davam apoio moral e incentivo para Tião dizendo para ele que era a coisa certa vingar a morte de Jacinto, uma vítima inocente.

Além dos conselhos, os colegas de esquinas foram imprescindíveis no dia do velório, que ficou lotado. Um ônibus foi alugado. Levou todos os conhecidos de Jacinto. A família dele era bastante pobre. Boa parte das despesas do enterro foi paga com a ajuda dos conhecidos.

Foi uma época de muito pesar e medo. Pela primeira vez, a rua deixou de ser tão badalada. Ninguém ficava mais na esquina, principalmente, à noite, quando motoqueiros de capacetes escuros frequentavam, com maior frequência a rua a procura de uma vítima que vingasse a morte de Anastácio. Ele foi cruelmente baleado por Tião, quando trabalhava na sua barraca de cachorroquente. O homicídio acontecera na mesma noite do dia em que Jacinto fora morto. Depois de alvejar a casa de Pedro, Tião não conteve a sua fúria e foi atrás de Anastácio.

Magro, alto e sempre de boné, Anastácio ganhava a vida vendendo cachorroquente numa avenida que ficava um pouco distante da quadra daquela que era uma rua tão badalada.

Anastácio começava o seu trabalho sempre depois das 10h da manhã, contudo, só voltava para a casa depois das 11h da noite. Às vezes, ficava até mais tarde porque sua principal mercadoria, que não era cachorroquente, era bastante procurada depois das 8h da noite. Assim como Tião, Anastácio andava sempre armado e era também traficante de drogas. Inclusive, ele foi morto com uma arma na cintura. Não chegou a disparar contra Tião porque não imaginava que ele seria capaz de lhe matar só por não revelar o paradeiro de Pedro e Bruno. Anastácio era o irmão mais novo de Tim Maia, informação passada pelos conhecidos de Jacinto, com o intuito de contribuir com o trabalho de Tião.

O clima de guerra, portanto, estava instalado na rua que deixara de ser badalada para ser macabra, ainda mais depois que encontraram o corpo de Antônio Augusto, em decomposição, duas semanas depois de morto, no cubículo onde se isolara. Antônio há muito tempo apenas bebia cachaça e não se alimentava. Suas filhas e a sua mulher não lhe procuravam para oferecer um alimento, uma conversa ou um carinho. “Antônio Augusto morreu de desgosto”, diziam uns. “Que nada. Foi a cachaça que o matou”, diziam outros. Apesar da história pesarosa, aparecia sempre uma piada. Alguns vizinhos de Antônio Augusto brincavam dizendo que ele tinha deixado uma carta para a mulher e as filhas. “Vou, mas vou feliz com esse litro de cachaça”, era o que estava escrito, conforme contavam.

Agora viúva, Maria de Lourdes Abadia sentia profunda tristeza e arrependimento de ter abandonado seu marido naquela situação. Como Julieta, Maria decidiu seguir o mesmo destino de Antônio, porém, não usou um punhal, mas, sim, a cachaça. O intento de Maria Abadia, contudo, fracassou porque, diferente de seu marido, ela não ficou isolada. Com medo de perder a mãe, suas filhas não a abandonaram.

Nove meses se passaram e Maria ainda estava viva, porém, alcoólatra. O tempo que passou foi suficiente para trazer a alegria para a rua novamente. Pedro nunca mais apareceu na rua. Mudou-se de mala e cuia. Tião não conseguiu encontrá-lo. Já estava até se esquecendo da história, porém, num dia de nuvens com aquele cinza, a saudade voltou quando a mãe de Jacinto lhe disse:

- Hoje, Jacinto faz aniversário...

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