Blog do Paraíso: Capítulo IV

domingo, 3 de maio de 2009

Capítulo IV


A caçapa estava menor ou era a bola oito que tinha aumentado o tamanho? A questão sempre vinha toda vez que Jacinto tentava derrubar a bola oito. Ele tentava uma, duas, três, quatro, cinco e até seis vezes, mas a bola não caia. Enquanto ele pelejava para derrubar o oito, Tião armava o seu jogo deixando as bolas ímpares na boca das caçapas.

Jacinto passava o giz branco em volta do começo do taco e, na ponta dele, o giz azul. Mirava. Mirava e tacava. O bolão batia no oito que fazia seu percurso e, quando parecia que ia cair, não caia. A bola, coitada, recebia incontáveis xingamentos.

Marciano observava a peleja enquanto apreciava uma cerveja geladinha, sentado em um banquinho próximo ao balcão.

- Vou fechar esse jogo agora – avisava Tião, depois de ter deixado quase todas as bolas ímpares na boca das caçapas.

- Pode fechar – Jacinto fingia não estar preocupado com a iminente derrota.

Aguardando sua vez, Marciano percebeu que seu copo já estava seco.

- Vamos pedir outra rodada? – perguntou aos colegas.

- Ué, pede aí – autorizava Jacinto –. Eu não tô pagando nenhuma mesmo.

A fama de Jacinto era de parasita, pois quase nunca ele tinha dinheiro para pagar uma sequer cerveja. Muitos chamavam Jacinto, por isso, de serradinho, ou serrote.

Além de ficar na esquina jogando conversa fora e vendo a mulherada passar pela rua, Tião, Jacinto e Marciano tinham também o costume de jogar sinuca e beber cerveja. Por custar dinheiro, eles não faziam isso com muita freqüência. Geralmente iam ao bar nos finais de semana, depois de Marciano receber pelos bicos e de Tião “fazer um dinheiro” vendendo drogas...

Hamixiaire era o único que não tinha o costume de freqüentar botecos. Para ele, a bebida era “coisa do diabo”.

- Seu Carlos, desce mais uma aí pra gente – pediu Marciano.

Seu Carlos era o dono do bar. Ele era um sujeito calado. Na dele. Seu rosto era redondo. Andava sempre de barba feita e cabelo social. Seu Carlos não era obeso, no entanto, tinha a barriga grande. Raramente bebia no seu boteco que ficava na sua residência, onde morava com a mulher, três filhas e um neto.

- Coloca um pouco aí no meu copo – pediu Jacinto, depois que seu Carlos trouxe a décima sexta garrafa.

Marciano não se sentia confortável quando via Jacinto beber sem pagar. Para Marciano, seu dinheiro era muito suado para desperdiçar pagando cerveja para “vagabundo”. Marciano não se importava em gastar o pouco de dinheiro que não tinha com ele mesmo. Inclusive, aqueles eram um dos momentos mais felizes de sua vida.

- Caiu!!

Finalmente Jacinto conseguiu derrubar a bola oito. Mas faltavam ainda quatro bolas, enquanto Tião só precisava derrubar o ás. Só que, quando menos todos esperavam, Jacinto, em uma jogada, conseguiu derrubar as bolas que faltavam. E passou a disputar o ás com Tião. Antes de dar a primeira tacada na bola que restava, Jacinto foi dar um gole na cerveja.

- Oxê! Cadê a cerveja que eu pedi para você colocar aqui, Marciano?

- Não sou seu empregado, rapaz – Marciano provocou –. Você já tá pegando o boi de estar bebendo aqui de graça.

Marciano já dava sinais de estar bêbado. Seus colegas sabiam que ele não ficava muito gentil quando estava nesses momentos. Mesmo assim, eles nunca chegaram a brigar, apenas discutiam.

- Joga logo – ordenou Tião, impaciente, querendo terminar o jogo.

Jacinto não obedeceu a ordem de Tião. Foi até o balcão. Derramou a cerveja em seu copo. Depois deu uma bicada nele, como se estivesse apenas degustando o líquido. Em seguida, pegou o giz branco e passou no taco. Depois pegou o giz azul e esfregou na ponta do taco. O próximo passo foi mirar, mas antes Jacinto quis tirar onda – já que a situação agora estava favorável para ele – e perguntou:

- Onde você quer que eu mato essa bola? Aqui ou ali – apontou com o taco.

- Vai. Joga logo – Tião não quis responder.

Depois de mirar, Jacinto deu a tacada. Batendo nos lados da mesa, o ás se encaminhou para uma das caçapas do estremo. Tião já estava guardando o seu taco quando, de repente, a bola parou em cima da boca da caçapa.

- Não acredito que você ainda vai perder, Jacinto – disse Marciano.

- Parece que vou.

- Precisa jogar? – Tião provocou.

Jacinto não respondeu. Dessa vez quem guardava o taco era ele. A empolgação de Tião foi tão grande que sua tacada não foi boa. Ele derrubou o ás, mas ainda perdeu o jogo porque o bolão foi junto e acabou caindo na caçapa.

Jacinto, contente, segurou novamente o seu taco e chamou o próximo.

- Eu não vou mais – disse Marciano –. Acabei de lembrar que hoje vai ter um show lá na Panela de Barro. Acho que vou dar um pulo lá, por isso, estou indo em casa tomar um banho.

- Tô sabendo, safado – Jacinto comentou –. Você tá querendo ir para tentar pegar a Benedita.

- Aquela gatinha já está na minha. Você vai ver. Se ela for hoje, eu vou ficar com ela.

Depois de se despedir dos seus camaradas, Marciano foi para casa. Lá tomou um banho e se aprontou para a festa. Ele ainda estava tonto por causa da cerveja. Ainda assim, queria beber mais. Só que estava sem dinheiro e a bebida na Panela de Barro custava um pouco para o bolso de Marciano, que tinha apenas o suficiente para comprar uma sangria de vinho e o ingresso do show.

Marciano passou no supermercado. Comprou a sangria de vinho e foi para a festa. No meio do caminho, bebeu a metade da sangria. Ao chegar à Panela de Barro, ainda tinha metade de sangria de vinho na garrafa de um litro e meio. Porém, ele não pode entrar com a garrafa. Marciano não conseguia beber tudo de uma só vez porque já estava muito bêbado. Ele também não queria jogar fora o que restava de sangria de vinho. Marciano, portanto, resolveu esconder a garrafa num lugar seguro e fora do local da festa para, na volta, ele terminar de beber.

Após esconder a garrafa de sangria de vinho, Marciano retornou à festa. Ele não gostou nem um pouco de ter se afastado de sua bebida. Animado pelo álcool, Marciano decidiu “pagar um sapo” para o segurança do local, caso ele falasse alguma coisa. O segurança não disse nada. Apenas fez seu trabalho de revistar.

- Eu não estou armado, porra!

Depois de ter ouvido isso, o segurança ficou meio sem jeito de revistar Marciano. Por isso, ele acabou permitindo que Marciano entrasse. Contudo, o segurança contou para os policiais de plantão o que tinha acontecido. Os policiais decidiram conversar com Marciano.

- Venha cá – um deles chamou.

Marciano ficou um pouco confuso, pois, para ele, não tinha feito nada de mais.

Pelo fato de Marciano não ter atendido o chamado, os policiais foram até ele e disseram que queriam conversar lá fora.

Sem ter escolha, Marciano atendeu. Quando eles começaram a andar em direção à saída da festa, um dos policiais segurou no braço de Marciano. Mais uma vez com a ajuda do álcool, ele não teve receio de puxar seu braço para impedir que o policial segurasse nele.

- Olha aqui, rapaz, você para de caçar confusão – advertiu um dos policiais, assim que eles chegaram no lado de fora da festa.

- O que eu fiz? – questionou Marciano.

- O segurança falou que você não quis deixar ele te revistar.

- Ai, ai, ai...

- Você se comporte; ouviu bem?

Marciano, depois de liberado, começou a caminhar em direção a entrada da Panela de Barro. Jogando a mão para trás do ombro, disse:

- Vai se lascar.

Para a infelicidade de Marciano, os policiais ouviram o que ele disse. Um deles correu atrás de Marciano.

- Como é que é, seu vagabunda?

Em seguida deu um chute em Marciano. Segurou na gola de sua camisa e puxou para trás. Marciano caiu de cosas na lateral da viatura. Sua cabeça também bateu no camburão. O policial segurou na garganta de Marciano e começou a gritar.

- Você me respeita, seu vagabunda. Você quer que eu te leve preso daqui?

A cabeça de Marciano bateu outras duas vezes na viatura.

- Você se comporte. Não me deixa colocar as mãos em você outra vez. Você vai voltar agora para a festa e nós não queremos saber de confusão nenhum sua, porque, senão, a gente vai te dá uma surra e te levar para a cadeia, tá?

Marciano, após liberado, retornou à festa um pouco zonzo por causa das batidas que levou na cabeça e por causa das bebidas alcoólicas que havia tomado. Todos da festa tinham visto a polícia levando Marciano para fora do local. Muitos, portanto, acharam que ele era malandro e, por isso, ficaram afastados de Marciano.

Marciano percebeu o receio das pessoas, mas não se importou. Foi para próximo do palco. Lá, começou a dançar. Enquanto isso observava o salão. Não era muito grande. Estava quase lotado. O ambiente estava escuro. A pouca iluminação vinha do jogo de luz.

Apesar do ambiente escuro e da tontura, Marciano conseguiu ver Benedita, que estava acompanhada. Parecia que não era o namorado dela, mas, ainda assim, Marciano sentiu ciúmes e foi até o rapaz tirar satisfação, mas antes falou com sua querida.

- Oi Benedita!

- Oi Marciano. Faz tempo que você está aqui?

- Nada eu cheguei agora há pouco.

- Você conhece o Alfredo, meu amigo?

- Eu já vi ele por aí.

- E aí – Alfredo fez um sinal amigável.

Mas Marciano não correspondeu. Dançando, ele se aproximou do colega de Benedita e disse próximo ao ouvido dele:

- Escuta aqui, moleque, se você não quiser apanhar, não mexe com essa dona aí, porque ela é minha namorada.

Sem perder tempo, Alfredo contou para Benedita o que Marciano acabara de falar. Benedita não gostou do que ouviu.

- Oxê, Marciano, você está doido é? Desde quando eu sou sua namorada?

Marciano não teve resposta. Apenas deu um sorriso envergonhado.

- Fique sabendo que eu fico com quem eu quiser, tá?

Veio um mal estar entre os três. Pouco tempo depois, Benedita encontrou uma desculpa e saiu de perto de Marciano.

Apesar de ter começado ruim a noite, Marciano não desistiu de tentar aproveitar a festa e ficou lá até o final. Na volta para casa, foi até o lugar que tinha escondido a sangria de vinho. Para sua sorte, a garrafa ainda estava lá. Marciano conseguiu um copo descartável na festa que estava. Pode, portanto, beber a sangria com mais conforto.

Enquanto seguia o caminho de sua casa, apareceram dois sujeitos de bicicleta. Quando eles estavam longe, Marciano achou que fossem dois desconhecidos que podiam até roubá-lo, afinal, já era de madrugada e a rua estava deserta. Ao se aproximar, Marciano ficou mais tranqüilo porque reconheceu um dos sujeitos.

- E aê, Marciano.

- E aê, moleque doido.

- Tá vindo da onde?

- Eu tô vindo lá da Panela de Barro. Teve um show massa lá.

- Me dá um pouco desse vinho aí – pediu o desconhecido.

Marciano entregou a garrafa e, antes de conseguir entregar o copo descartável, o desconhecido começou a beber no gargalo.

- Pô, bicho, pega o copo aí.

Mas o desconhecido não quis pegar o copo e, como agradecimento, jogou a sangria de vinho em Marciano e ainda lhe deu um chute.

Marciano ficou enfurecido. Procurou ao seu redor uma pedra para tacar no desconhecido. Encontrou uma. Enquanto se agachava para pegá-la, o desconhecido já tinha em suas mãos uma pedra bem maior. Ele a levantou para o alto e...

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