Blog do Paraíso: Capítulo XIII

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Capítulo XIII

Os olhos de Gabriela mal piscavam. Toda sua atenção era para a tela da TV. O seu desenho animado preferido tinha acabado de começar. Não havia nada que sua mãe, dona Paula, fizesse para tirar a atenção de Gabriela, naquele momento. Somente uma pessoa poderia fazer a pequena esquecer a TV durante a exibição do desenho animado.

- Querida, cheguei! - exclamou João, fã de um seriado de TV sobre dinossauros.

Ao ouvir a voz do pai, Gabriela se desperta, pula do sofá e sai correndo em direção da porta de entrada da sua casa. Acostumado com a recepção calorosa da filha, João abre os braços e se curva um pouco, o suficiente para Gabriela o alcançar, após saltar, também com os braços abertos. João dá um abraço firme em sua filha. Suspende Gabriela, a coloca no chão e, depois, lhe dá um beijo na testa e pergunta:

- Onde está a sua mãe?

- Ela está tomando banho, papai.

João e Gabriela se dirigem para o sofá, no meio do caminho, a pequena não para de falar um minuto. Conta todas as novidades do dia para o pai. João senta no sofá, muda de canal e começa assistir ao final da novela. Gabriela já não lembra mais do seu desenho animado preferido. Para ela, o mais importante agora é deixar seu pai informado das novidades.

- Sabe a Luana, papai? Aquela que estuda na minha sala.

- Sei - João responde, para dar a entender que, apesar do cansaço, ainda consegue prestar atenção na história da filha.

Gabriela fala, fala, sem parar. João mal consegue ouvir a TV, não por causa da falação de sua filha, mas, sim, por causa do barulho do aparelho de som de Tião que, de tão alto, faz todos os moradores ouvir a música tocada por ele.

“TAM, TAM, TAM!” (estralo de dedos), “TAM, TAM, TAM! (estralo de dedos)”, era o barulho de uma das músicas que invadiam a tranquilidade de João. Após mais um estralo de dedos, o rap prosseguia com uma letra que, para João, era incapaz de ser compreendida. Para ele, era apenas um barulho perturbador. “Será que eles realmente estão curtindo essa música?”, João se questionava.

- Chega aê, Pedro - Tião gritou.

Cabeça raspada e redonda. Testa mais redonda ainda e lisa. Rosto magro, fino, com bigodinho ralo, típico de adolescente. Pele morena clara. Pedro não era alto. Era mediano e magro. Como os demais jovens, gostava de usar bermudão folgado e caindo.

- Fala - disse ao se aproximar de Tião.

- Quem é aquele cabrito alí? - Tião questionou se referindo ao rapaz que o acompanhava.

- É o meu primo.

O nome do primo de Pedro era Bruno. Ele aparentava ser mais forte que Pedro. Usava o cabelo descolorido, amarelo. Seu olho era meio esverdeado. Usava brinco nas duas orelhas. Tinha tatuagem na perna direita, nas costas e no peito, porém, andava sempre com camisa. Quando estava se aproximando da esquina, antes de Tião chamar seu primo, Bruno já imaginava do que se tratava, pois reconheceu Marciano, o rapaz que ele quase assassinou com uma pedrada.

Bruno era uma pessoa fria. Já havia sido preso por homicídio. Não tinha medo de ninguém, ainda assim, quando seu primo foi falar com Tião, ele hesitou. Parou um instante e aguardou seu primo retornar. Pouco tempo depois, mudou de ideia e se aproximou para ouvir o que Tião dizia.

- É, meu amigo, fala para seu camarada aí tomar cuidado, senão ele vai passar é mal aqui! - Tião ameaçou.

Ao perceber que Bruno se aproximava, Tião aumentou a voz e começou a olhar com cara feia para o primo de Pedro. Certamente Bruno era novato na rua, pois não conhecia a fama de Tião, o traficante da pesada.

- Você está vendo aquele bicho ali? - Tião perguntou para Bruno apontando para Marciano.

- Aquele bicho ali é meu chegado. Ele me contou do desacerto entre vocês dois. Eu só te digo uma coisa. É melhor você ficar de boa aqui na quebrada senão vai passar é mal.

- Quem é que vai botar eu para passar mal aqui? - Bruno perguntou desaforadamente.

- Oxê, Bruno! Você tá doido é cara? - Pedro interveio, pois sabia que Tião não era flor que se cheire - Tião, pode deixar quieto. Eu vou resolver essa parada...

Tião perdeu a paciência. Empurrou Pedro para ele sair do cominho e foi na direção de Bruno. Tião meteu a mão na cara de Bruno. Ao se recompor, Bruno pensava em partir para cima de Tião, mas desistiu ao ver o revólver calibre 38 reluzindo na mão do seu agressor.

- Você é muito folgado. Eu poderia te sapecar agora, mas você tem sorte porque a rua está lotada e eu ainda considero o seu primo. Não deixa eu te pegar vacilando por aí.

Percebendo que já estava mais do que na hora de sair dali, Pedro puxou seu primo pelo braço e foi embora.

Tião se achou o máximo, após a demonstração, ante Marciano, Jacinto, Ramixiaire, Bruna e Camila.

- Guarda esse revólve, rapaz, senão a polícia te prende - assustado, Marciano recomendou.

“Pá, pá, pá”, Tião disparou para o alto três trios.

- Há, há, há, não dá nada!

Poucos minutos depois, cruzou a rua uma viatura da polícia.

- Vixe, os canas estão rodando por aí - disse Jacinto - acho melhor mesmo você moca essa máquina, Tião.

- Leva então lá pra sua casa.

- E se o folgado do Bruno voltar?, disse Marciano aterrorizado.

- Então vou deixar aí na sua casa, que fica mais perto.

Com receito, Marciano aceitou esconder na sua casa o revólver.

Por volta das três horas da madrugada, João ainda podia ouvir de sua casa, na mesma altura, o barulho da música tocada pelo aparelho de som empenhado de Tião. Faltavam apenas duas horas para João se levantar, se arrumar e ir para o trabalho. Por causa do barulho, ele tinha a impressão de não ter dormindo nada. Várias vezes João pensou em ligar para a polícia, mas desistiu. “Não é possível. Alguém já deve ter ligado”, pensava. João não sabia se estava com medo de fazer a ligação ou se estava acomodado, esperando por um vizinho.

“Pi, pi, pi, pi”, tocou o despertador. Já era hora de João se levantar para ir para o serviço. A festinha dos jovens, no entanto, ainda prosseguia animada.

- Ave Maria, será que esse barulho não vai ter fim?, perguntou dona Paula.

- A gente tem que mudar daqui, Paula. Eu não aguento mais. Não dormi quase nada por causa do barulho.

- Ir pra onde João?

- Sei lá.

João foi à cozinha fazer um café. Dona Paula continuou deitada.

Os pardais começaram a cantar.

- Nossa! Já está amanhecendo - disse Marciano - coloca mais um pouco de cerveja aqui no meu copo, Jacinto.

Nenhum comentário: