Blog do Paraíso: Capítulo XV

domingo, 23 de agosto de 2009

Capítulo XV

Antônio Augusto nasceu em 1960 no interior, onde conheceu Maria de Lourdes Abadia, cinco anos mais velha que ele. Antônio e Maria se casaram e tiveram duas filhas. Pouco tempo depois, eles se mudaram para a tão badalada rua.

Antônio abandonou sua terra natal, mas não o costume. Andava sempre com um chapéu de cowboy na cabeça. Usava bigode. Fumava cigarro de palha de milho. Era magro. Branco. Médio.

Maria também era branca, porém, seu cabelo era encaracolado. Era bonita. Não era magra. Também não era gorda. “Minha mulher tem carne”, dizia sempre Augusto.

As filhas deles se chamavam Carolina e Karina. Carolina, a mais nova, se parecia muito com o pai, no entanto, não desgrudava da mãe. Apesar de ter puxado a mãe na aparência, Karina não era extrovertida. Ficava sempre na dela, quase não saia de casa.

Enfim, eles eram uma família feliz, mas o mundo dá muitas voltas e o tempo se fez muito cruel com Antônio. Abandonado pelas filhas e pela mulher, Augusto dormia em um sofá todo rasgado. Fazia duas semanas que ele estava com a mesma roupa. Uma garrafa de cachaça de alambique, quase vazia, estava bem próxima dele, em cima do único móvel que tinha no cubículo onde ele agora dormia. Depois de um, dos inúmeros desentendimentos com Maria, Antônio construiu um pequeno cubículo dentro de sua própria casa. O espaço contrastava com os demais cômodos da residência. Enquanto no cubículo as paredes, sequer, tinham reboco e o chão era grosso, sem piso, os quartos da casa tinham piso de cerâmica, eram pintados e forrados.

- Tá, tá, tá, tá!

Antônio acordou assustado e ouviu novamente “tá, tá, tá, ta”. Aquela hora da manhã, pensou, já com tiroteio. “Quem será que morreu dessa vez?”, Antônio se questionou, porém, não teve vontade nem ânimo de se levantar. Talvez pela fraqueza. Havia semanas que ele não ingeria alimento. Apenas bebia cachaça. Já não encontrava nenhum motivo para viver. Perdeu o emprego, o carro, a mulher, as filhas e até a moral.

Na verdade, ele não gostava quando pensava no que perdeu. Toda vez que isso acontecia, subitamente, sentia vontade de dar uma talagada numa dose de alambique. E foi o que fez. Levantou-se, agarrou a garrafa que estava na mesa e, sem se preocupar com copo, bebeu no gargalo mesmo. O litro quase ficou sem nada. Sobrou ainda uma dose. Antônio saboreou aquela bebida como se fosse a última. Deitou-se novamente e adormeceu.

Como se estivesse indo dessa para melhor, Antônio viu uma luz, enquanto dormia. A claridade lhe trouxe a lembrança dos momentos em que foi feliz, logo após ter mudado para aquela tão badalada rua.

Antônio era respeitado e querido por todos. Andava sempre bem vestido. Tinha muitos amigos. Na época, era o morador com a melhor situação econômica. Antônio trabalhava num emprego bom. Ganhava bem. Andava num opala preto. Todo final de semana tinha sua cervejinha garantida. Cachaça? Nem pensar. Antônio só bebia cerveja gelada. Muitas vezes, ele não esperava a garrafa, ou latinha, secar. Pedia logo outra. “Outra? Mas ainda tem cerveja aí?”, perguntava, às vezes, quem acompanhava Antônio que logo respondia “tem, mas já está quente. Não bebo cerveja quente”.

Muitas vezes, Antônio chegava em casa e, por causa do efeito do álcool, se deitava, sem tomar um banho e sem dar a devida atenção a sua mulher. Maria, começou a desconfiar de seu marido. Quis, portanto, saber se ele tinha outra. Certa vez, quando Antônio estava de saída, Maria perguntou:

- Aonde você vai?
- Vou alí no bar do Zé, tomar uma cervejinha. Volto já.
- Sabe de uma coisa... Também estou com vontade de tomar uma cervejinha. Vou também.
- Que isso mulher? Tá doida?
- Ué? Não posso tomar uma cervejinha com você? Por quê?
- Ai, ai, ai, mulher... Não fica muito bem para você.
- Eu não tô nem aí.
- A é? Você quer beber? Então vá sozinha porque comigo você não vai.

Para não discutir mais, Antônio saiu de pressa. Bateu a porta e foi. Carolina, que ouviu o barulho da porta, correu em direção da mãe.

- Cadê o papai, mamãe?
- Não sei, menina!
- Aonde a senhora vai, mamãe? Deixa eu ir com a senhora?

Maria não respondeu, contudo, Carolina, que naquela época tinha 10 anos, segurou na barra da camisa da mãe e foi junto com ela.

Quando chegou lá, Maria viu Antônio bebendo e pagando cerveja para seus amigos. Eram dois. Maria teve receio. Sentou, com a filha, numa mesa bem afastada de seu marido. O garçom veio atendê-la.

- Traz uma cerveja para mim. O que você quer, Carolina?
- Um refrigerante e um salgadinho.

Maria, naquele momento, inaugurava o seu alcoolismo. Passou a acompanhar mais vezes o marido. O efeito do álcool fez desaparecer toda a vergonha que Abadia sentia. Passou a sentar mais perto do marido e, quando menos se esperava, os dois já bebiam juntos.

- Vai para casa – ordenou certa vez Antônio.
- Vamos nós dois.
- Pode ir. Daqui a pouco eu vou. Deixa eu só pagar essa conta.
- É mamãe, vamos embora – disse Carolina que nunca saia de perto da mãe.

Maria obedeceu. Foi para a sua casa. Lá, esperou pelo marido durante horas. O suficiente para sua cabeça se encher de cenas de adultério. Imaginava Antônio com outra. Mas que outra? Maria Abadia não sabia, mas tinha a certeza de que alguma coisa estava errada. Afinal, por que ele não veio com Maria? Por que está demorando tanto? “Ele tem outra. Só pode”, pensava. E, por volta de meia noite, caindo de bêbado, Antônio chegou em casa. Às vezes, tomava banho. Não foi o caso. Deitou-se. Viu a mulher dormindo e não quis acordá-la. Se fizesse isso, seria apenas para desejar uma boa noite, pois ele estava tão bêbado que não conseguia, ao menos, levantar o cobertor para se embrulhar. Antônio, portanto, dormiu.

“Cachorro”, Maria pensou. “Eu estava certa. Ele tem outra. Gastou toda a energia que tinha com ela. Nem quis me acordar. Eu sou uma idiota mesmo. Não era para eu sair de lá quando ele mandou. Deixa. Ele me paga”.

No final de semana seguinte, Antônio e Maria foram convidados para uma festinha na casa de um vizinho. Os dois foram, acompanhados pelas filhas. Lá, a festa começou a ficar animada quando todos já estavam bêbados. Para dar o troco em Antônio Augusto, Maria Abadia, embriagada, deu em cima do amigo do marido, sem disfarçar. Ao perceber, Augusto quis ir embora. Chamou a mulher e as filhas; se despediu dos amigos; e foi.

Já em casa, Antônio não comentou nada. Ficou lá uns cinco minutos e foi para o bar. “Cachorro. Já vai me trair de novo”, Abadia imaginou.

- Aonde você vai, cachorro? – Maria gritou.

Antônio Augusto, porém, não escutou. Já estava na rua. Maria foi atrás. Carolina também, sempre segurando na camisa da mãe, que não se importava.

No bar, Maria Abadia fingiu que não conhecia Augusto. Começou a beber e ficou mais bêbada ainda.

- Mãe, vamos embora – Carolina pediu a Maria.
- É já, menina.

Animada, Maria teve vontade de dançar. Não chamou nenhum par. Apenas se levantou da mesa e começou a dançar. Antônio ficou com vergonha. Pagou a conta e foi para outro bar. Maria foi atrás, achando que pegaria seu marido no flagra.

Antônio não tinha terminado de encher o copo e a sua mulher chegou. Ele, portanto, perdeu a paciência.

- O que você quer atrás de mim? Vai pra casa?
- Eu não. Não está vendo que também quero beber; me deixa em paz.
- Mamãe, vamos embora – pedia novamente Carolina.
- Vai você. Não quero ir agora. Vai você. Anda.
- Vai levar a sua filha.
- Eu não. Ela que vá sozinha.

Enfim, ninguém foi. Ficaram os três lá. Maria, para provocar o marido, encontrou um par para dançar. Com receio, o homem, que era conhecido de Antônio, pediu permissão.

- Não tenho ciúmes. Pode dançar com ela.

Os dois começaram a dançar. Antônio Augusto pagou a conta e foi para casa. Ele levou junto a filha. Quando percebeu que o marido já não estava mais lá, Maria, antes mesmo de a música acabar, encerrou a dança. E foi atrás do marido. Pensou que ele tinha voltado para o bar que eles foram primeiro. Mas ele não estava lá. “Será que ele sumiu com a outra? Não pode ser. Ele saiu com a Carolina” Maria, portanto, foi para sua casa.

- Cadê o seu pai?
- Já tá dormindo.

Já era tarde e, no outro dia, Antônio Augusto tinha que trabalhar. Maria Abadia foi para a cama; se deitou. Queria carinho, mas Antônio dormia como uma pedra. Ela fez um cafuné na cabeça dele e nenhuma resposta. Deu um beijo na boca dele. Antônio se virou. Maria Abadia ficou indignada; se sentiu rejeitada. Passou aquela noite com lágrimas nos olhos e amargurada. Tinha que fazer algo. Decidiu não correr mais atrás de Antônio de bar em bar. Simplesmente não iria aceitar que ele dormisse ao lado dela, bêbado e sujo.

No final de semana seguinte, depois de tomar todas, Antônio Augusto chegou na sua casa tarde da noite. Dessa vez, queria o aconchego da mulher. Foi para o quarto, mas, para sua decepção, a porta estava trancada.

- Maria, abre a porta.

Maria ouviu, no entanto, fingiu estar dormindo. Antônio Augusto bateu na porta, de vagar, para não acordar as meninas.

- Abre a porta, Maria.

Foi em vão. Maria não abriu a parta e nem respondeu. Antônio bateu mais forte. Suas filhas acordaram.

- Maria! Abre a porta, Maria!!

Maria Abadia percebeu que as crianças já estariam acordadas com o barulho. Decidiu pedir para Antônio parar de fazer barulho e ir se deitar no sofá.

Quando ia bater mais uma vez, finalmente, Antônio viu a porta se abrindo.

- Por que você trancou essa porta? Até parece que você não sabia que eu ia chegar agora.
- O que você quer aqui? Por que não ficou na putaria com as suas negas?
- Ficou louca, mulher?
- Não fiquei coisa nenhuma. Só não vou aceitar mais você chegar de madrugada, bêbado e sujo, dormir comigo.

Maria bateu a porta na cara de Antônio e gritou de dentro do quarto.

- Vai dormir no sofá para ficar esperto.
- O que foi, papai? – perguntou Carolina, que tinha acordado por causa do barulho.
- Não é nada não, minha filha. Vai dormir.

Carolina achou entranho quando viu seu pai se deitando no sofá em vez de ir para o quarto da mãe, como fazia sempre.

- Por que você vai dormir aí, papai?
- O que eu mandei você fazer agorinha?
- Tá bom. Eu já estou indo dormir.
- Boa noite.

“Por que minha mulher está fazendo isso comigo?”, se questionava Antônio Augusto. “Sempre a tratei bem. Sempre fui fiel. O que fiz de errado?”. Antônio não conseguiu se lembrar o que havia feito de errado. “Eu sou um chifrudo”, concluiu Antônio Augusto. “Só pode ser isso. Enquanto estou no trabalho, ela deve ter encontrado outro, por isso está fazendo esse jogo de cena. É o que eu mereço por ser tão fiel”.

A partir daquele dia, as discussões entre os dois se intensificaram. Ambos desconfiavam um do outro. Antônio Augusto passou a assumir diante de todos que era um chifrudo. “Eu sou um corno”, proclamava no bar. “Todo o castigo para corno é pouco”.

Antônio Augusto bebia agora de segunda a segunda. Quando não chegava no serviço de ressaca, estava bêbado. Isso foi motivo para ser demitido, por justa causa. No início, não se importou tanto. Tinha umas economias. O suficiente para pagar as despesas do vício e um pedreiro para construir um cubículo na sua própria casa. Antônio já não queria mais a companhia de sua mulher. Já não ligava mais para suas filhas, pois elas sempre ficavam no lado da mãe.

O tempo passou e o dinheiro de Antônio ficou escasso. Para sair do aperto, vendeu o carro. Trocou a cerveja gelada pela cachaça que é muito mais barata. Entrou em depressão. Sentia-se só. Sentia a ausência das filhas, da mulher e dos amigos. Já não tinha mais motivos para viver. Até a luz que apareceu em seu sonho, que lhe fez ter as lembranças, estava acabando. Enfraquecendo. Abandonando-lhe. Até tudo se apagar e ficar escuro.

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