Blog do Paraíso: A tragédia de Rali (II parte)

terça-feira, 12 de junho de 2007

A tragédia de Rali (II parte)



Meu nome é Raliosvaldo Bertolo Jásintocabeção Arrudiando Novagina Maciano Cretino Corruptativo Nomequenãoacabamais Stanislau Lalau Lulala Depoisdenósénósdenovo... Ufa! Cansei. Eu, que sou dono do nome, ainda não peguei fôlego, o que dizer do leitor? Perdoa-me, caro amigo. Não me atreverei a repetir tamanho palavrão. Citarei somente minha alcunha, Rali, como fiz na primeira parte da história.

Nasci em 1989 no hospital do Gama. Antes de me mudar para a invasão da Vila Estrutural, minha família e eu morávamos de aluguel em um barraco caindo aos pedaços na cidade-favela mais populosa do Distrito Federal, a Ceilândia. Digo cidade-favela porque, oficialmente, Ceilândia é conhecida como cidade-satélite, mas a realidade é bem diferente. Altos índices de violência, muita pobreza, algumas ruas ainda sem asfalto e sem coleta de esgoto. Portanto, com todas as letras, cidade-favela Ceilândia.

Bom. Quero narrar neste capítulo minha meninice. Sempre fui um garoto lesto. Alguém aqui sabe que diabos quer dizer lesto? Não me lembro aonde foi que ouvi ou li esta palavra. Mas achei muito bonita. Entretanto, confesso, lesto leitor, não sei o que significa. Isso é o que dá cursar só até a sexta série do ensino fundamental. Já que comecei a falar de formação escolar, contarei meu primeiro dia de aula.

Por sorte, quando eu tinha sete anos, minha mãe conseguiu vaga na única escola da Vila Estrutural. Ela, coitada, freqüentou a sala de aula por três dias. Aprendeu somente a escrever o nome. Minha mãe foi criada no nordeste mineiro, em uma fazenda. Ela não teve a oportunidade de conhecer os pais. Primeiro porque a mãe dela nem sabia quem era o pai da minha mãe. Segundo porque a mãe de minha mãe não resistiu ao parto quando minha mãe nasceu. Você entendeu? Para eu não ficar escrevendo coisas do tipo “mãe de minha mãe”, estimado leitor, informar-te-ei as graças delas. Mas não se assuste, não colocarei o nome completo. Minha velha se chama Bertola e minha avó, Jásintacabeçona.

Jásintacabeçona teve 15 filhos. Bertola, como eu, é a caçula. Ela foi criada pelos irmãos, que não permitiram minha mãe estudar. Bertola conseguiu a independência depois que se casou com meu pai. Eles mudaram do nordeste mineiro, depois de terem o sexto filho, para tentarem a sorte aqui, no DF. Sou o único brasiliense. Apesar de ter nascido na periferia, em uma também cidade-favela, auto me denomino brasiliense. É uma das poucas vantagens de morar próximo à capital do país. Nasci no hospital do Gama porque peguei minha mãe de surpresa. No dia, ela visitava a irmã, moradora do bairro do Pedegral, no Novo Gama – GO. Os moradores de lá não freqüentam ao hospital fantasma do Novo Gama, que teve R$ 315.842,05 aplicados na aquisição de equipamentos e moveis, segundo a síntese do relatório de fiscalização da Controladoria-Geral da União datado no dia 15 de outubro de 2005.

Prometi no terceiro parágrafo que ia contar meu primeiro dia na escola. Não o fiz porque ele não existiu. Não fui à primeira aula por falta de material escolar. Depois de uma semana, consegui um caderno usado e um lápis da ponta quebrada. Minha professora era linda, mas o que marcou o início de meus estudos foram os lanches. Saia de casa com a barriga vazia. Contava os minutos até a hora do intervalo para poder sacia-la. No melhor dia, pão com ovo e suco eram servidos.

Nunca fui bom com essas coisas de escola. Pensei que não ia sair da primeira série. Reprovei quatro vezes. Minha salvação foi a política de educação implantada na época pelo governo. Pude passar de série devendo matérias. Sem contar que, da primeira série, fui para a quarta, que reprovei mais duas vezes. Depois me jogaram para a sexta, de onde não sai mais. Se não me engano, o nome do programa era “Aceleração Escolar”.

Meus pais eram catadores de latinha, não tinham dinheiro para comprar brinquedos para mim. Mas sempre fui muito criativo. Alguns pedaços de madeiras se transformavam em carrinhos, robôs, espadas, revolveres...

Quando eu completei quatro anos de idade, conheci João, meu melhor amigo. Ele me ensinou todos os palavrões. Minto. Aprendi com ele a metade. A outra meus pais me ensinaram. Alcoólatra, meu pai vivia xingando minha mãe. Presenciei muitas brigas deles. Portanto, também aprendi a dar pontapés e socos.
Como você pode ver, leitor, a minha tragédia foi ter nascido...


Continua...

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