Manobras para brecar Projeto Ficha Limpa
(Editorial do jornal Correio Braziliense)
A história parece surrealista. Mas não é. É real como o suceder do dia e da noite. Nada menos que 1,6 milhão de eleitores manifestaram, por escrito, o desejo de impedir que candidatos fichas sujas disputem mandatos eletivos. Transformada em projeto de lei, como manda a Constituição, a iniciativa corre o risco de não passar de simples vontade popular. De um lado, pode não ser apreciada pela Câmara. De outro, pode ser modificada de tal forma que se transforme em aleijão.
Depois de idas e vindas, o presidente Michel Temer porá a proposta em votação sem o parecer da Comissão de Constituição e Justiça. A promessa é que, na terça-feira próxima, seja votada pelo plenário em sessão extraordinária. Se aprovada, deverá ser submetida ao Senado. Daí a espada de Dâmocles: se a tramitação bater ponto final depois de 6 de junho, não valerá para o pleito de outubro.
Resultado: candidatos com folha corrida poderão disputar cargos. A vitória nas urnas significa mais que um assento na Câmara ou no Senado. Significa impunidade. Com foro privilegiado e outras vantagens, processos que porventura tramitam na primeira instância não poderão prosseguir enquanto o acusado estiver protegido pela imunidade processual e inviolabilidade parlamentar.
Com o domínio das duas prerrogativas, só poderá ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. A Corte, porém, não está aparelhada de instrumental burocrático e de mecanismos judiciais capazes de garantir o julgamento antes do transcurso da prescrição penal ou a tempo de produzir punição adequada. O mandato passa a funcionar como biombo blindado.
Assim, embora haja esperança, o eleitor, que exerceu a cidadania para propor o projeto de iniciativa popular, precisa manter a eterna vigilância. O fato de ter chegado ao plenário e estar em regime de urgência não garante que a proposta seja votada por ser alvo de manobras por parte do baixo clero. Há ainda o perigo de ser emendada de tal forma que perca o caráter moralizador.
O risco pode ser atestado por tentativas de excluir do texto, por exemplo, a exigência de decisão colegiada para barrar pretendentes com histórico criminal. Em bom português: se for imposto que o processo tenha transitado em julgado, tudo continua como está. Na proposta, a condenação no Tribunal de Justiça dos estados já seria suficiente para afastar o candidato do escrutínio. É a vontade da sociedade, como fica claro no 1,6 milhão de assinaturas.
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