Blog do Paraíso: A tragédia de Rali (última parte)

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A tragédia de Rali (última parte)


Dia bonito! O céu bem azul. O sol brilhante. Nunca me senti tão bem. Literalmente, acordei com o pé-direito. Esse dia tem tudo para ser único, pensei. Após tomar o café, somente o café puro, como de costume sem pão, bolo ou frutas, sai para a rua com aquela certeza de que tudo iria dar certo. Afinal, nunca vi um dia tão bonito, no meu aniversário, quanto esse. Eu, Rali, completo hoje 15 anos de vida.

Antes de ir à casa do meu amigo João combinar uma “fita”, marcada para hoje, decidi sentar na calçada de minha casa para tomar um pouco de sol. Natasha, minha vizinha e amada, linda como sempre, passou pela rua, com destino a padaria. Desejei-lhe um bom dia. Ela me respondeu com um sorriso amarelo. Desde que eu a namorava, ela nunca tinha sorrido daquele jeito. E toda vez que passava por mim, sempre me dava uma abraço e um selinho na boca. Não entendi por que, naquele dia tão bonito, ela nem se quer passou perto de mim. O sorriso me revelou uma Natasha que eu não conhecia. Talvez aquele dia não estivesse para ela como estava para mim: especial. Entendo, portanto, a atitude de minha amada, pois há dias que não me sinto bem. Tudo parece dá errado. Imagino-me, às vezes, vivendo no inferno, quando, na realidade, o mundo está do mesmo jeito. Maravilhoso, belo e especial. Ou seja, tudo depende do estado de espírito da pessoa.

Aquele gesto de Natasha, que denunciou o esquecimento dela do meu aniversário, felizmente, não estragou meu dia. Não entendi. Continuei me sentindo tão bem quanto antes. E depois de alguns minutos sob o sol, dirigi-me à casa do João.

- João! João!

Gritei pelo portão. São raros os barracos da invasão da Vila Estrutural que têm campainha. A cabeça de João apareceu na porta. Ele deu uma olhada e disse:

- Ah! É você, Rali? Pode entrar, o portão está aberto.

- Feliz aniversário amigão!

João me deu um forte abraço.

- Pô, bicho, pensei que você não ia lembrar do meu aniversário, assim como a Natasha.

- Que isso Rali? Como você me compara com aquela p...

João se lembrou que eu não gostava que falasse mal de Natasha, mesmo quando os fatos erram verdadeiros. Ele, portanto, mudou de assunto.

- Bom... Vamos ao que interessa. Ó! Vai ser mais do mesmo. “Vamo” chegar lá apontando as “máquinas” (revolveres). Você recolhe o dinheiro do caixa enquanto eu te dou cobertura. Como hoje é o seu dia, você vai ficar com mais da metade do dinheiro, falou?

- Pode crê, “mulequim”!

Sempre antes de “meter uma fita”, João observava o local previamente para saber o horário de pouco movimento e se a polícia fazia, com freqüência, ronda no comércio que nós íamos roubar. João também tomava o cuidado de contar novamente o que nós já havíamos planejado.

O assalto ocorreu como imaginávamos. Não era possível que num dia bonito como aquele as coisas dessem errado. Mas... Algo me perturbou. Acho que até estragou meu dia. Enquanto retirava o dinheiro do caixa, percebi que o dono da loja me observava. Fitei-o, senti um ódio no olhar dele. Fiquei com aquela imagem em minha cabeça até escurecer. Sentado no sofá, tentei decifrar o que aquele olhar cheio de ódio queria me dizer. De repente, no portão de minha casa, o grito de João tira minha concentração. Tínhamos o costume de ficarmos na frente de meu barraco conversando até tarde da noite. Geralmente, contávamos histórias de “fitas”, “tretas” e “frevos” passados. Porém, dessa vez, resolvi revelar ao meu amigo o que me angustiava.

- Ah! O que é isso, Rali? Isso é besteira!

Para João, podia até ser. Mas para mim, não. Senti um pressentimento muito ruim misturado com um medo mórbido.

- João, “di rocha” (realmente), estou com medo.

- Medo de quê?

- Não sei, cara.

Assustado, eu olhava desconfiado para todo mundo que passava naquele instante na rua. Vi na esquina uma luz de uma moto que se aproximou rapidamente. O motoqueiro usava uma jaqueta preta. O capacete, da mesma cor, escondia a identidade do condutor da moto, que parou na nossa frente. Puxou uma pistola da cintura. Não disse uma se quer palavra. Disparou três tiros em mim. Um na minha barriga, outro no pescoço e o terceiro, fatal, na minha cabeça. João tentou correr, mas não conseguiu escapar para contar a história. História que é contada agora, diretamente do Além, para você, estimado leitor. O que aconteceu depois (a minha agonia) você encontrará na primeira parte deste texto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fiquei triste com o final da história mas infelizmente retrata a realidade dos fatos, muitos vencem a "seleção natural" mas não resistem ao "caminho natural" da vida percorrido nas perfiferias da cidade.