Blog do Paraíso: ANÁLISE COMPARATIVA DAS CAPAS DAS REVISTAS CARTA CAPITAL E VEJA, DURANTE A COBERTURA DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2006

quarta-feira, 2 de abril de 2008

ANÁLISE COMPARATIVA DAS CAPAS DAS REVISTAS CARTA CAPITAL E VEJA, DURANTE A COBERTURA DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2006

INTRODUÇÃO
A capa de uma publicação diária ou semanal é de fundamental importância, pois funciona como um laço para prender o leitor. Ela pode ser comparada com o cartão de visitas, ou de boas vindas. Na realidade, é uma propaganda das principais informações. É nela que acontece a hierarquização da notícia, onde é feito o agendamento dos fatos a serem discutidos pela sociedade. Há uma verdadeira comunicação de impacto, capaz de influenciar o público consumidor. Portanto, escolhi a capa de revista semanal como objeto de análise.
ANÁLISE
A partir do consenso de que é impossível a isenção total, analisei a cobertura das eleições presidenciais de 2006. Vi como duas revistas semanais cobriram a campanha dos principais candidatos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB). A começar por Carta Capital, fundada em 1994 pelo italiano Demetrio Carta.

No dia 13 de setembro, Mino Carta, como também é conhecido, escreveu um editorial, com a seguinte chamada de capa: “A nossa opção por Lula e suas razões”. Ele disse qual era a posição da revista acerca das eleições presidenciais. Com o título “Por que a reeleição de Lula”, o editorial conta que não é a primeira vez que a revista declara a opção pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Mino reconhece a impossibilidade da isenção total. “Isto, em castiço, chama-se hipocrisia”, escreve.

Apesar da escolha do candidato Lula, Mino ressalta não ter passado a mão na cabeça do presidente. “Esta revista não se furtou, nos últimos quatros anos, às críticas às vezes contundentes, ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva”. Em síntese, o texto deixou clara a posição da revista. Carta Capital terá um papel fundamental nessa análise, pois será comparada com outra revista semanal, Veja, a quarta maior do mundo.

Funda em 1968 pelos jornalistas Victor Civita e Mino Carta, Veja é considerada a revista de maior circulação no Brasil, com uma tiragem superior a um milhão. Inspirada na revista estadunidense Time, tem como público-alvo as classes média e alta.

Após a disputa do segundo turno das eleições presidências entre o tucano Geraldo Alckmin e o petista Lula, a edição de Veja de número 1.980, do dia primeiro de novembro, pública um editorial com a posição da revista. Diferente de Carta Capital, não faz chamada na capa. Intitulado “Do lado do Brasil” – o que supõe imparcialidade da revista – o editorial começa com um comentário sobre uma charge do Jornal do Comércio, de Porto Alegre, aonde aparece um dos personagens, com traços do presidente eleito, pedindo “revista de sacanagem”. O interlocutor questiona: “qual delas?”. “A ‘Veja’, aquela que só me sacaneia!”, responde.

O editorial diz que a charge é apenas uma piada e não deve ser levada a sério, mas é uma oportunidade de explicar qual é o “único e verdadeiro propósito” da revista. “Embora os próprios criticados e denunciados possam se sentir pessoalmente ofendidos, e por extensão também seus partidários e admiradores, o fato é que VEJA não tem por objetivo fustigar ninguém. Sua história está aí para provar. A missão a que VEJA se propõe é a de fiscalizar todos aqueles que estão no poder, não importa a agremiação que pertençam”. Apesar de se dizer não neutro, o editorial encerra reafirmando a imparcialidade, pois dizer que está do lado do Brasil é o mesmo que afirmar isenção.

A prova concreta de que o editorial enganou o leitor ao reafirmar a imparcialidade pode ser encontrada na capa da revista publicada no dia 10 de maio. Símbolo de total falta de respeito para com o presidente da nação. Uma verdadeira “sacanagem”, como diz a charge. Em uma foto montada, Lula aparece com uma marca de bota na bunda, como se tivesse levado um ponta pé. Do sinal, escorre um líquido preto simbolizando o petróleo. A manchete “O Ataque à Petrobras. ESSA DOEU!” supõe que o petista foi expulso do país, literalmente, com um chute no traseiro. A capa traz também o seguinte texto: “Lula dormiu como o ‘grande guia’ da América Latina e acordou como mais um bobo da corte do venezuelano Hugo Chávez, que tramou o roubo do patrimônio brasileiro na Bolívia”. Entre aspas, as palavras “grande guia” dá um tom irônico.

A cobertura acerca da nacionalização das reservas de gás da Bolívia poderia ser feita de outra maneira e sem tanto desrespeito para com o presidente Lula, assim como fez a revista Carta Capital, publicada no mesmo dia, 10 de maio. Uma foto de Evo Morales aparece estampada na capa, precedida da manchete “AS RAZÕES DA BOLÍVIA”. Há também três períodos. O primeira diz tudo por si só: “Não há surpresa na decisão de Morales, a favor de um país espoliado. Conta com a compreensão do governo Lula, mas só falta a mídia pedir o bombardeio de La Paz”. A segunda faz um ataque a oposição. “Quem lembra que a dependência do gás boliviano é obra do governo FHC?”. A última é semelhante a oração inicial, pois também justifica a posição do presidente brasileiro. “Os prejuízos da Petrobrás são pequenos em comparação com os lucros que ela obtém, graças ao aumento do preço do petróleo”.

Não é perfeita a cobertura de Carta Capital. Mas a revista ratifica a posição a favor do governo. E mostra também a possibilidade de outra representação da realidade. Entretanto, como Veja se diz imparcial ou que não faz “sacanagem” com nenhum governo, deveria no mínio noticiar o outro lado. Dessa forma ela não estaria sendo totalmente isenta, mas disfarçaria mais.

Outra capa interessante e cômica, que dá a entender qual é a real posição da revista Veja, foi publicada no dia 27 de setembro. Onde Lula, representado numa charge, aparece com a faixa presidencial nos olhos. Não há nenhum texto. Mas existe uma denotação. A de que o petista não sabe de nada, não viu nada. Para não ficar só na suposição do significado da charge, o editorial, intitulado “Até quando?”, faz uma acusação: “À luz da lei eleitoral não adianta (Lula) alegar que não sabia ou que afastou o companheiro depois do crime cometido”.

Mais adiante, a seção “Brasil” é dedicada inteiramente para a cobertura da tentativa de compra de um dossiê – na madrugada do dia 22 de setembro, a Polícia Federal flagrou dois petista, Valdebran Padilha e Gedimar Passos, com 1,7 milhão de reais tentando comprar um dossiê contra o tucano José Serra, então candidato ao governo do estado de São Paulo. São, nada mais, nada menos que 26 páginas. A reportagem tem início na página 59 com um texto intitulado “Um tiro no pé às portas das eleições”. No primeiro parágrafo, qualifica a tentativa de compra do dossiê como um crime. Porém, não há nenhum artigo na legislação brasileira condenando a prática. O texto é bastante incisivo e cheio de suposições. “Pela proximidade dos seus autores confessos e dos suspeitos com a campanha de reeleição do presidente Lula e com a própria instituição da Presidência da República, as conseqüências legais podem ser severas. Entre os trágicos resultados potenciais do crime está até a impugnação da candidatura de Lula. Se isso vier a acontecer, o PT terá feito algo inédito em sua rica trajetória de delinqüência (SIC).”

O texto de abertura se encerra com uma acusação ferrenha, mesmo sem provas. “Por ter criado e mantido um ambiente propício à propagação da corrupção em seu governo – e sem prejuízo de todas as sanções legais e que se expôs como candidato e presidente –, Lula é o patrono da desastrada compara com dinheiro sujo do falso dossiê”. Se não é uma “sacanagem”, seria o que senão uma tentativa de minar a candidatura à reeleição do petista? Será que o “Lado do Brasil” é esse?

Das páginas 76 a 79, a revista acusa até a Polícia Federal (PF). Com o título “A PF finge que investiga...” e sutiã “... enquanto o PT tenta achar alguém para assumir a titularidade do 1,7 milhão de reais apreendidos”, a matéria afirma que “A PF vazou a informação de que havia interrogado funcionários dessa agência do BankBoston, na Lapa, em São Paulo, e era de lá que tinha saído parte do dinheiro apreendido com os petistas. Na verdade, a agência nunca foi investigada”. Mais adiante, a revista faz uma comparação entre a tentativa de compra do dossiê com o caso do Watergate, que levou a renúncia do presidente estadunidense Richard Nixon. Faz, portanto, a previsão da renúncia ou impugnação da candidatura de Lula. A próxima matéria, nas páginas 80, 81 e 82, reforça a comparação. “‘Pior do que o Watergate’” é o título e também citação do presidente do TSE, Marco Aurélio.

Em contrapartida com a cobertura da tentativa de compra do dossiê, Carta Capital também publicou uma matéria sobre o caso, no mesmo dia que Veja foi às bancas. A capa aparece com a estrela do PT com uma metade na penumbra. O leitor logo sugere que a metade do símbolo petista numa quase sombra, e outra na luz, refere-se a um partido dividido entre o bem e o mal. “O lado escuro do PT”, a manchete confirma o que o leitor deve imaginar. “A compra de um dossiê contra Serra expõe a banda podre do partido. Ao agir na penumbra, em associação com a máfia dos sanguessugas, o grupo arrasta o presidente mais uma vez para o centro de uma crise (SIC)”, diz o texto seguinte, que ratifica a manchete e a ilustração. Para fazer diferente de Veja, Carta Capital tira o foco, ou a culpa, de Lula no editorial “Os petistas do senhor Vedoin”. Já no início, reforça mais ainda a capa: “A consciência primitiva costuma se esfacelar para reduzir a vida ao embate do Bem contra o Mal. Tudo seria, por certo, mais simples. Em troca, a experiência humana perderia a sua complexidade e riqueza ou até mesmo sua humanidade”. Outra coisa diferente na publicação é o número de páginas dedicadas, apenas sete. Mais uma vez a cobertura feita por Carta Capital comprova a parcialidade da revista Veja, que tema em dizer estar do “Lado do Brasil”.

Parcial, Carta Capital publica no dia 04 de outubro, ou seja, quatro dias após as eleições do primeiro turno, uma reportagem para justificar a derrota do petista. Abaixo das fotos de Lula e Alkmin estampadas na capa, o título “O peso de São Paulo”, precedido pelo texto: “A baixa votação de Lula no estado e o impacto do escândalo do dossiê contra Serra influência o resultado eleitoral e levam Alckmin para um novo confronto com o presidente”.

Já a revista Veja, publicada no mesmo dia, denota a preocupação com o país após as eleições, antes mesmo do resultado do segundo turno. Talvez seria o “já ganhou”. Pode até ser, porque a revista escreve que “O presidente eleito terá uma tarefa clara: diminuir o peso do Estado”, denotando o estrago feito pelo atual. Também na capa, mas com menos destaque – pois o impacto já foi causado –, há uma referência ao “Dinheiro sujo do PT”, como diz o texto acima da manchete “Apareceram as fotos” – referente à publicação, no dia 29 de outubro, das fotos do dinheiro que seria usado na compra do dossiê. As imagens foram amplamente divulgadas nos sites dos jornais O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e, mais tarde na TV, no Jornal Nacional.

Na semana seguinte, mais precisamente no dia 11 de outubro, “O desafiante” é o título da manchete de capa da revista Veja, onde o tucano Geraldo Alckmin aparece com um sorriso estampado no rosto. Do lado, o texto: “Geraldo Alckmin – destacado com a cor vermelha em meio as demais palavras em branco – teve 40 milhões de votos no primeiro turno. Agora ele é uma ameaça real à reeleição do presidente Lula – otimismo da revista, que ignora as pesquisas de intenções de voto –. Como funcionaria a economia com Alckmin eleito”, sonha a revista semanal. Entretanto, o mais importante a ser observado é que, no período eleitoral, Veja não fez uma se quer reportagem de capa com o presidente Lula para prever, por exemplo, como “funcionaria a economia”, se ele fosse reeleito.

Carta Capital, por ser lulista autodeclarada, deveria fazer como Veja, por na capa uma foto de Lula com um sorriso arregalado. Entretanto, publica uma caricatura dos dois candidatos, um do lado do outro. Dentro do carro vermelho e com o número 13, o que seria o petista é posicionado um pouco mais à frente do veículo de número 45 e amarelo, simbolizando uma corrida com Alckmin. A manchete, “Lula larga na pole”, e o texto, “Primeiras pesquisas indicam que o presidente começa a disputa do segundo turno à frente de Alckmin. Na caça por alianças políticas, os dois candidatos partem para o vale-tudo”, confirma a suposição que o leitor pode ter.

Não satisfeita com a derrota de Lula no primeiro turno, Veja publica no dia 18 de outubro uma reportagem com a retranca “Dossiêgate” – alusão ao caso do Watergate. A manchete “Limpeza de Alto risco” e o sutiã “A operação para encobrir a origem do dinheiro pode ser ainda mais devastadora para o governo”, casada com a imagem de uma luva vermelha – cor do símbolo petista – segurando um pano e, ao lado, uma marca de sola de sapato ornamentada com figuras de reais e dólares, sugere realmente, ao leitor, uma estratégia traçada pelos petistas para não revelar de onde veio o dinheiro.

Também no dia 18 de outubro Carta Capital publicou uma reportagem contra os principais veículos de comunicação do Brasil. Apesar de não citar a revista Veja, a matéria denúncia a omissão da conversa gravada entre o delegado Edmilson Pereira Bruno e os jornalistas, que receberam dele um CD com as fotos do dinheiro para compra do dossiê. A manchete “A trama que levou ao segundo turno” é uma verdadeira defesa do presidente Lula, apesar da importante contribuição como observadora da imprensa brasileira.

Na semana seguinte, dia 25 de outubro, a seis dias das eleições, Carta Capital faz a seguinte chamada de capa na publicação: “Contribuições ao Dossiê da mídia” – dando a entender que o fato da tentativa de compra de acusações contra o tucano José Serra é um produto midiático. Acima da manchete, o símbolo da rede de televisão Globo e da revista Veja, e abaixo, o seguinte sutiã: “Kamel, da Globo, protesta: será que ouviu ou leu as gravações do diálogo do delegado Bruno com os repórteres? Estranho, muito estranho. É certo, porém, que a emissora recebeu as fotos dos dinheiro antes dos concorrentes”. O texto da chamada de capa encerra contestando a outra revista: “Já no caso da Veja, sobre o encontro de Freud com Gedimar, horários e datas não batem. Entre outras coisas...”.

O paralelo até aqui traçado entre a cobertura das revistas Veja e Carta Capital comprova claramente a possibilidade de um fato ser tratado de diversas maneiras. Mostra também que ambas são parciais. Entretanto, uma não assume imparcialidade.
CONCLUSÃO
A partir do momento que um sujeito decidiu transmitir informações em uma pedra, panfleto ou qualquer outro tipo de meio, assinou, de forma simultânea, um termo de compromisso. A principal obrigação dos meios de comunicação, desde os primórdios, é informar bem e de forma franca o público. A imprensa fez um contrato não oficial com a sociedade. Entretanto, ele é reconhecido por todos. Em caso de rescisão, há uma clausula punitiva: a perda da credibilidade.

Para escapar da sanção da opinião pública, vários meios de comunicação criaram o mito da imparcialidade. Inventaram o texto objetivo para se proteger. Felizmente, com o passar do tempo, estudiosos e pesquisadores minaram a quimera da isenção total. A teoria do “espelho da realidade” foi totalmente contestada. Contudo, há ainda empresas noticiosas que pregam o mito da objetividade. Elas ludibriam o público com informações deturpadas. Quando são desmascaradas, sem perder tempo, se prontificam em apresentar diversos argumentos lógicos. O maior de todos, mais perverso, hipócrita, ilusório e mais ostentado é o da imparcialidade.

Transmitir uma informação cheia de interesses velados é uma tremenda falta de honestidade. É a quebra do contrato entre a imprensa e o público. Portanto, é de fundamental importância o veículo noticioso especificar o contexto organizacional do qual faz parte. Avisar o leitor, ouvinte ou telespectador o que de fato está consumindo é obrigação de todos. Pois, estará cumprindo o compromisso principal e fundamental de informar bem e de forma honesta.

Essa análise comparou duas revistas bastante antagônicas. Uma, hipócrita. Outra, honesta, pois não fez questão de enganar o leitor com o mito da imparcialidade. Carta Capital honrou o contrato com a opinião pública. Já a revista Veja, como observamos, não. Ela mentiu ao dizer estar do “Lado do Brasil”, quando, na realidade, defendia os interesses de uma parcela da sociedade brasileira. Apesar de não termos citado, nestes estudo, o país estava basicamente dividido entre rico e pobres, segundo as pesquisas realizadas na época do período eleitoral. Não houve uma separação absoluta, mas, grosso modo, houve uma certa luta de classes.

Veja não poderia perder credibilidade diante dos banqueiros, dos grandes fabricantes de carros, das empresas multinacionais e transnacionais, enfim, dos anunciantes. Todos provavelmente apoiadores do candidato Geraldo Alckmin. Ou seja, o outro Brasil, a elite.

Há quem diga que Carta Capital tomou determinada posição por causa do principal anunciante: o governo. Talvez seja a explicação. Mesmo assim, foi honesta. Não ludibriou o leitor velando o real interesse. Com chamada de capa, publicou a posição claramente. Deu, portanto, liberdade de escolha para o leitor. Se todos meios de comunicação fizessem assim, haveria diversas posições. O público poderia escolher o lado ou a construção da realidade que mais o agradava.

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