Blog do Paraíso: O 11 de setembro do outro lado do hemisfério

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O 11 de setembro do outro lado do hemisfério


Mapa, livro, TV e internet são os meios de comunicação que uso para conhecer o mundo, sem sair do Brasil. Não sou o único. Milhares de pessoas nunca saíram de seus países, mas, de certa forma, conhecem o mundo. Milhares de pessoas não precisaram sair de suas casas para ver fatos históricos acontecer em nações distantes. Milhares de pessoas não saíram de casa, por exemplo, para ver as torres gêmeas do World Trade Center despencarem em questão de minutos, em Nova Yorke.

Em 11 de setembro de 2001, eu tinha 14 anos e era um viciado em desenho animado. E foi na expectativa de assistir ao “meu desenho” que liguei a TV na manhã daquela terça-feira, literalmente, cinza. A programação foi interrompida para um boletim de última hora. Inicialmente, o repórter dizia que se tratava de um acidente, aonde um avião colidiu com uma das torres gêmeas do World Trade Center. Mas, minutos depois, outro avião bateu na segunda torre. A transmissão era ao vivo, mesmo assim, a impressão que tive era de que estava vendo uma reprise, pois o repórter continuava afirmando que um avião se chocou com uma das torres gêmeas. Mas a confusão foi desfeita minutos depois, quando o repórter já tinha a informação de que se tratava de um atentado terrorista.

A impressão de reprise não foi só minha. A jornalista Angélica Tavares, que na época trabalhava como produtora da TV Nacional Brasil (NBR), conta que, na redação, os colegas observavam o segundo avião batendo achando que era uma repetição da cena. “Ninguém imaginava que um avião iria bater num mesmo lugar, logo em seguida”, explica. Segundo Angélica, a correria na redação começou depois que todos ficaram sabendo que se tratava de um atentado terrorista contra as duas torres gêmeas do World Trade Center e a sede do exército americano, o Pentágono. “Passamos o dia inteiro atrás de informações e repercutindo o caso”, relata.

Outra Angélica também participou da repercussão do atentado. Quando o primeiro avião bateu, a jornalista Angélica Coronel arrumava sua casa. Quem lhe avisou sobre o ataque terrorista foi seu namorado. “Ele me telefonou e disse que estavam destruindo os Estados Unidos”. Coronel ligou a TV, imediatamente, e passou a acompanhar o caso. À tarde, ela foi para a redação da TVE do Rio Grande do Sul. Chegando lá, Angélica foi informada que faria uma matéria sobre o assunto. Devido ao perfil da TVE, Coronel teve que fazer uma matéria mais analítica, portanto, entrevistou uma renomada socióloga, a Céli Pinto. Uma das questões foi sobre a probabilidade de uma terceira guerra mundial. De acordo com Angélica, a socióloga afastou essa possibilidade.

A matéria de Coronel também contou com uma personagem que estava em Nova Yorke. “Uma amiga minha, a jornalista Daniele Siqueira, fazia curso de inglês no World Trade Center”, conta. “Felizmente, a aula dela foi no dia anterior”. Segundo Angélica, Daniele deu uma entrevista por telefone contando o clima de terror que a cidade estava passando. Ainda assim, Coronel sentia satisfação em ver a maior superpotência do mundo sofrer um ataque. “Eu fiz a matéria, mas, por dentro, eu pensava ‘que coisa boa’”. Observando minha expressão seguida de um “por que?”, Angélica se vê obrigada a se explicar. “A minha satisfação era por causa do ataque contra o império e, não, pelas vítimas inocentes”, responde. “Eu não quero que você escreva na matéria que eu sou uma irresponsável e inconseqüente”, alerta. “Quantos inocentes os Estados Unidos mataram com a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki? Forma mais de 300 mil mortos. E no World Trade Center, 3 mil”, acrescenta.

Eu disse para Angélica Coronel não se preocupar, pois, como ela mesma pode observar, eu contextualizei a afirmação dela. E tem mais. Diante das atrocidades cometidas pelos Estados Unidos, quantos, além de Angélica, não sentiram satisfação em ver a superpotência fragilizada? Bom. Deixemos o moralismo de lado.

A repercussão do atentado assustou o comerciante Francisco Gonçalves Nascimento. Popularmente conhecido por “seu Chico”, Nascimento ficou sabendo do ataque terrorista quando estava trabalhando em seu boteco, que tinha uma televisão ligada. Ele ficou assustado porque, depois da batida do primeiro avião, a TV informou outros casos em lugares diferentes: a aeronave que caiu no Pentágono e o as outras que foram interceptadas, a caminho da Casa Branca. “Agora pronto”, ele pensou. “É o fim do mundo, meu Deus”.

Mas não foi somente “seu Chico” que pensou estar diante do fim do mundo. O desempregado Gilmar Araújo, então estudante do Ensino Médio, também. Gilmar passou a ter essa impressão quando estava na escola, pois era o assunto do momento. “Vários professores foram lá na minha sala conversar sobre o atentado”, diz. Araújo teve conhecimento do ataque terrorista da mesma forma que eu. Ele estava assistindo ao desenho animado, quando a programação foi interrompida para anunciar o boletim histórico. Também assim como Gilmar, eu só fui perceber a dimensão do ocorrido na escola.

Minha primeira aula daquela terça-feira foi de história. Mas antes de ir à escola, eu acompanhei o episódio até o momento em que as duas torres desmoronaram. Não porque estava interessado no assunto, mas, sim, por acreditar que, logo, logo, “o meu desenho” retornaria. Não foi o que aconteceu. Fiquei indignado. Naquela hora, o mais importante para mim era um desenho animado, apesar de ter sido um espetáculo ver aqueles enormes prédios despencando com tanta facilidade.

Fui para a escola e lá, felizmente, minha ignorância foi sanada. Segurando o livro aberto, meu professor disse que o 11 de setembro seria lembrado como um dia histórico para a humanidade e os livros escolares, portanto, deveriam ser atualizados. “Também não é para tanto, não é professor?”, alguns alunos duvidaram. “Claro que é”, ele respondeu. “Para vocês terem idéia do que significam, para os americanos, a destruição das torres gêmeas e o atentado ao Pentágono, é só imaginar um ataque aqui, no Brasil”, argumentou. “Seria como se houvesse a destruição de Brasília”, finalizou. “Só do Congresso Nacional?”, perguntamos. “Não! Eu falo de Brasília inteira”.

Em maio de 2001, o complexo World Trade Center foi arrendado por US$ 3,2 bilhões pelo empresário Larry Silverstein e a Westfield America Inc. O preço da construção de Brasília não pode ser avaliado devido às várias moedas que o país já teve desde 1960 e aos incontáveis empréstimos. Mas, se formos considerar o valor apresentado, em abril de 1966, pelo ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil Lincoln Gordon, Brasília ficou barata, comparando com o World Trade Center. De acordo com Gordon, a capital brasileira custou US$ 1,6 bilhões.

Depois daquela aula de história histórica, passei a prestar mais atenção ao noticiário. Como pode um acontecimento tão distante afetar nossa vida, aqui, do outro lado do hemisfério? “É porque a gente fica chocada com a quantidade de seres humanos mortos”, responde a questão “seu Chico”. “Muitos inocentes estavam trabalhando naqueles prédios”, acrescenta.

Sete anos depois do triste episódio, Osama Bin Laden, o responsável pelo atentado terrorista às torres gêmeas do World Trade Center, ainda não foi preso. Gilmar Araújo avalia que o ataque terrorista foi brilhante porque conseguiu atingir seu objetivo, furou a defesa da maior superpotência do mundo e ainda seu mentor não foi capturado.

Se por um lado o atentado de 11 de setembro mexeu com a vida de muitas pessoas no mundo inteiro, por outro lado, ele não representou nada para alguns. Sete anos depois e o desempregado Alberto Lima de Abreu não sabe o que aconteceu em 11 de setembro. “Seu Alberto, você lembra do ataque terrorista às torres gêmeas do World Trade Center?”, pergunto. “Cuma é?”. “É, seu Alberto, o atentado que aconteceu em 11 de setembro de 2001?”, insisto. “Eu nem sei que dia é hoje”, ele responde. Também pudera. Alberto Lima de Abreu não pôde acompanhar e entender o 11 de setembro porque, diferente de mim, nunca freqüentou à escola. Ele não sabe ler e nem escrever.

Nenhum comentário: