Blog do Paraíso: O filósofo analfabeto

sexta-feira, 13 de junho de 2008

O filósofo analfabeto


Há muito tempo, estimado leitor, eu queria lhe revelar que tenho um tio filósofo. Meu tio é negro, já tem a cabeça coberta de cabelos alvos – também pudera, acima dos 50 anos. Casado há mais de 25, criou três filhos. Ainda que considerado pelos irmãos como o mais ignorante, eu acho o meu tio sábio. Apesar de não ter aprendido a ler, eu o considero filósofo. Se alguém perguntar para o meu tio o que é filosofia, ele não saberá responder. O meu tio não estudou porque ele faz parte daquela geração que na infância, em vez de estudar, trabalhava. Tinha que ajudar os pais no sustendo da casa, principalmente, depois que meu avô morreu... Não quero aqui fazer uma biografia do meu tio, mas, sim, escrever sobre sua filosofia. Certa vez, eu disse para ele que estava “correndo atrás de um emprego”. Ele falou que, se eu continuasse assim, não encontraria um serviço tão cedo. “Você não tem que correr atrás”, advertiu-me. “Você tem que correr é na frente!”, sugeriu. Veja, caro leitor, que pensamento! E não é só isso. Outra vez perguntei-lhe: “Tio, se o senhor não sabe ler, como o senhor faz para pegar o ônibus certo?”. Mas que menino besta, ele disse, eu não pego. “Eu entro nele”. Quer mais? “Você não acha, tio, que está fazendo muito calor?”. Ele respondeu: “Não. Não está fazendo calor. O sol continua o mesmo. Ele sempre foi assim. Você é que está sentido calor”. Esses são só alguns pensamentos que me veio à memória. Olhe que eu ainda não citei nenhum de seus versos. Sim, caro leitor. Meu tio também é poeta. “Você não tem dinheiro/Passa a rasteira cai ligeiro”, declamou, depois que eu lhe neguei R$ 1 para ele tomar “uma dose”. “Você é que nem deficiente/Porque precisa da gente”, recitou certa vez para o filho desempregado. “Você tem que entender/Para poder saber/E para poder viver”, poetizou para mim no final de um sermão sobre as lições da vida. Prezado leitor, seu tivesse anotado todas as rimas, você poderia ler mais. Os versos que acabei de citar foram os mais marcantes. Se aparecerem outros tão bons quanto esses, não tenha dúvidas, logo lhe contarei. Agora, convenhamos, meu tio é ou não é um sábio?

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