Joaquim Falcão, é professor de direito constitucional da FGV Direito-Rio
(texto publicado nesta quinta-feira, 23 de fevereiro de 2010, no jornal Folha de S. Paulo)
O que está realmente em jogo no pedido de intervenção no DF? Por que é decisão importante, para os brasilienses, e todos os brasileiros também? Por que o Supremo está agindo com toda cautela, sem querer tomar decisão às pressas? Na democracia, se o governador ou deputado infringir a moralidade administrativa, ou mesmo o povo não estiver contente com suas administrações, normalmente são dois os caminhos: ou os destitui na próxima eleição pelo voto ou então se abre processo de impeachment ou processos na Justiça. Mas na intervenção nem é o povo quem destitui. Nem o voto. Quem decide a intervenção é o Supremo. Mas quem executa é o presidente da República. É ele quem escolhe o interventor, determina o prazo e a extensão da intervenção, se atinge Executivo e Legislativo, se o interventor vai legislar por decreto. Mas até que ponto o Supremo quer dar tantos poderes ao presidente? Como ter certeza que o interventor será técnico competente, apartidário, acima de qualquer suspeita? Capaz de restaurar a confiança da população no governo do DF? Se o Supremo vier a tomar esta decisão, provavelmente vai estabelecer padrões mínimos para a execução de sua ordem. A intervenção é medida extrema, decisão política mais grave que o país enfrenta desde o impeachment de Collor. Nunca dantes, nem nesta Constituição nem na de 1946, se decretou intervenção em qualquer Estado. Mas a Constituição permite. O que a justifica é algo maior: restituir à população um sentimento sofrido e uma esperança perdida. Como diz Mozart Valadares, da Associação dos Magistrados Brasileiros: "em princípio não deveria haver intervenção, mas o sentimento pede intervenção". Que sentimento é este? O sentimento de que a Constituição existe, as instituições funcionam e podem servir à moralidade pública. O Brasil está sob o impacto da força plástica das imagens de internet e televisão. Quando São Tomé tinha dúvidas, diz a história, ele tinha que tocar com as mãos para ter certeza. Hoje se toca com os olhos. Evidências estimulam sentimentos, e sentimentos geram necessidades. Intervir, hoje, simboliza um choque de constituição contra a corrupção. Será este choque necessário? A defesa feita pela Procuradoria-Geral do DF diz que não. Não se esgotou ainda a via normal judicial. Basta apurar, permitir ampla defesa e punir os responsáveis. Para o brasileiro o que mudaria é isto. E não é pouco. É a possibilidade de se acreditar no funcionamento da Justiça, da Constituição e da política, a tempo e a hora. Para o brasiliense, em específico, o que muda é a normalidade administrativa. O governo volta a funcionar pacificamente, ainda que de forma diferente. Por fim, outra grande mudança é que durante a intervenção o Congresso não pode votar emendas à Constituição. O que implica diminuir a pressão política sobre os congressistas, para que votem aumento de salário da polícia, a redução do horário de trabalho para 40 horas, legalização de interinos de cartórios sem concurso e muitas outras.
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