Blog do Paraíso: Corrupção no futuro

terça-feira, 20 de julho de 2010

Corrupção no futuro

Gravações obtidas por VEJA mostram coordenador de campanha de Roriz - o favorito para suceder Arruda em Brasilia - cobrando propina e fraudando licitações do governo que ainda não existe

Diego Escosteguy
(texto publicado na revista Veja de 7 de julho de 2010)

Numa breve e melancólica sessão, os ministros do Supremo Tribunal Federal optaram na semana passada por abandonar Brasília à máfia que a esfola há 20 anos.

Foram sete votos contrários ao pedido de intervenção no Distrito Federal, formulado pelo Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, em decorrência das irretorquíveis evidências de que a capital do país está sob o comando de uma organização criminosa onipotente, infiltrada nos altos escalões dos três Poderes.

Projetaram-se essas provas em público há seis meses, quando o delator Durval Barbosa compartilhou com o país sua videoteca da corrupção, obra na qual figurões de Brasília apareciam embolsando pacotes de dinheiro.

O democrata José Roberto Arruda caiu, tornando-se o primeiro governador preso da história da República. Alguns escroques afastaram-se da vida pública – e ficou por isso mesmo. Para a maioria dos ministros do STF, foi suficiente.

Verbalizou-se a lúcida exceção na voz do ministro Carlos Ayres Brito: “A mentalidade dos governantes não mudou. A oportunidade é excelente para libertar a capital das garras de um perigosíssimo esquema de enquadrilhamento para assaltar o erário”.

VEJA obteve provas de que a Procuradoria-Geral da República e Ayres Brito, infelizmente, estão certíssimos: a bandalheira em Brasília não tem fim.

Trata-se de gravações de áudio, que estão em poder do Ministério Público, nas quais o lobista Maurílio Silva, antigo parceiro do ex-governador Joaquim Roriz em negociatas, aparece cobrando propina de um grupo de fornecedores do Detran local, ensinando a fraudar licitações e, acredite, já fatiando contratos num possível governo do comparsa.

A conversa choca não só pelo teor, mas também pela data: foi gravada no dia 14 de dezembro do ano passado – ou seja, pouco mais de duas semanas após o Ministério Público estourar a operação Caixa de Pandora. Tamanha ousadia explica-se pela força de Roriz, o patrono da corrupção em Brasília.

Ele já governou a capital em quatro ocasiões, em mandatos manchados por múltiplas evidências de traficâncias. Elegeu-se senador nas últimas eleições, mas durou apenas cinco meses no Congresso, renunciando em meio a mais acusações de malfeitorias.

Arruda e seus mensaleiros são seus filhotes políticos. Agora, Roriz tenta recuperar o trono – e, liderando as pesquisas com 30% das intenções de voto, tem tudo para voltar em triunfo.

As gravações foram feitas por uma empresária, numa reunião entre Maurílio e fornecedores de placas e lacres para veículos. Ela entregou o áudio ao Ministério Público, que investiga o caso.

No encontro, os empresários deixam claro que formaram um cartel e que querem discutir com o lobista uma maneira de conseguirem exclusividade para instalar os novos lacres veiculares exigidos pela lei.

O Departamento Nacional de Trânsito, o Denatran, publicou em 2007 uma portaria que estabelece que até dezembro de 2011 todos os carros do país deverão receber esses lacres, que irão conter números de série, de modo a inibir fraudes e clonagens. Cabe ao Detran de cada estado credenciar as empresas e estabelecer os custos. O de Brasília ainda não fez essas mudanças, que podem render, de imediato, 40 milhões de reais aos fornecedores.

Maurílio não se socorre de eufemismos: “Estou trabalhando no escritório de Roriz, sou amigo dele há anos. Se ele ganhar a eleição, fica muito prático viabilizar o direcionamento do jeito que vocês querem”.

O lobista explica, porém, que o pedágio é caro: “Nós não temos interesse em negócio pequeno. Queremos participar do faturamento do negócio de vocês. A gente cobra um valor, mas o Roriz tem a filosofia de não prejudicar o rico”. Roriz e Maurílio querem, portanto, sociedade na negociata.

Depois de explicar como “direcionar o edital” do Detran, Maurílio diz: “Tem que pensar em coisa grande. É para entrar e não sair mais, fazer uma PPP (parceria público-privada), ficar 30 anos”.

Os empresários concordam em prosseguir as tratativas, e o lobista encerra: “Então vamos trabalhar para 2011. Eu cuido do acerto político”.

Maurílio Silva, o homem da gravação, filiou-se ao mesmo partido do chefe (o minúsculo PSC) e despacha no escritório de Roriz, coordenando a campanha do chefe. Sempre na aba do amigo e sócio informal, Maurílio já foi deputado distrital e conselheiro do Tribunal de Contas do DF.

O lobista tem amigos para lá de perigosos. Segundo documentos apreendidos pela Polícia Federal, ele era o elo do grupo de Roriz com a quadrilha do mafioso João Arcanjo Ribeiro, o Comendador Arcanjo, preso por homicídio e corrupção.

Arcanjo pretendia levar a Brasília seus negócios com máquinas de jogos caça-níquel. Para isso, o bicheiro Messias Ribeiro, seu homem na capital, intermediou uma doação de 500 mil dólares à campanha de Roriz em 2002.

Num papel manuscrito e enviado por fax a Arcanjo, o bicheiro anotou a propina ao governador e apontou o lobista Maurílio como intermediário. Maurílio acabou tornando-se sócio do bicheiro. Acredite: são esses os homens que podem suceder Arruda e sua turma - e a Justica ainda acredita que o pior ja passou.

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