Blog do Paraíso: A moto do Maranhão e a falta de justiça no Brasil

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A moto do Maranhão e a falta de justiça no Brasil

Maranhão é o nome de um estado que fica no nordeste do Brasil. Maranhão é também o apelido de um maranhense que vive há muitos anos aqui no Distrito Federal (DF). Ele é dono de um “copo sujo” (boteco), frequentado por senhores da cabeça branca, com idade média de 50 anos. Há exceções. Sou uma delas. De vez enquanto, passo por lá e tomo uma cervejinha ou uma “quente”.

De estatura mediana e cabeça chata, Maranhão, depois de muitos anos fazendo economia, conseguiu comprar uma moto. Zerada. Paga à vista. Com o veículo, ele ia do boteco para a padaria e da padaria para o boteco. Dava umas voltinhas na quadra e ia do boteco para a padaria e da padaria para o boteco, novamente. Maranhão não tinha o costume de percorrer longas distâncias.

A moto quase sempre ficava estacionada na frente do boteco dele. Sempre lustrada e limpa. Exposta como um troféu. Um prêmio pelos anos de serviço no “copo sujo”. Ou, como as más línguas dizem, o resultado alcançada por uma contribuição coletiva de todos os frequentadores do estabelecimento.

Certa vez, um “cabe dez”, como alguns chamam a viatura da Polícia Militar (PM), parou em frente ao “copo sujo” do Maranhão. Saltaram do “cabe dez” três PMs. Com olhar inquisidor, eles cercaram a moto.

“De quem é esta moto?”, perguntou um dos policiais. “É minha”, respondeu Maranhão. “Cadê o documento?”, questionou outra vez o PM. “Só um instante”. Maranhão entrou no boteco e, poucos minutos depois, retornou com documento do veículo. O policial olhou e depois disse: “muito obrigado. Estamos procurando uma moto, igualzinho a esta, que acabou de ser roubada no outro lada da cidade”. O maranhense disse que não era aquela. “Nós sabemos. Só estamos fazendo o nosso trabalho”, respondeu o PM que desejou boa noite e foi embora com os colegas.

Maranhão continuou seu serviço, atendendo aos clientes do bar. A noite foi tranquila, como todas as outras. Cumprindo à risca a lei seca que existe no DF, fechou o boteco às 22 horas.

O dia seguinte parecia que também ia ser tranquilo. Maranhão abriu o “copo sujo” cedo. As crianças, que sempre passam na frente do boteco, subiam a rua em direção a escola, acompanhadas pelos pais. Pouco tempo depois, quando o movimento tinha reduzido bastante, um jovem, segurando um capacete, falava ao celular, do outro lado da rua.

E quando menos Maranhão esperava, foi abordado por um outro jovem com uma arma de fogo. O ladrão roubou um celular, a moto e o documento dela. Foi embora junto com o jovem que segurava um capacete e falava ao celular do outro lado da rua.

Maranhão foi à delegacia e registrou ocorrência. Algumas horas se passaram e ele foi informado pela polícia que um dos ladrões estava preso. Era um menor de idade. Com ele, só estavam o celular e o documento da moto. Até agora, o veículo não foi encontrado.

Graças a legislação brasileira, o menor de idade não cumprirá pena numa cadeia. Poderá passar alguns dias num centro de reabilitação para adolescentes infratores e, depois, retornar às ruas. Gozando desta prerrogativa e da liberdade, o menor de idade poderá, como acontece na maioria das vezes, cometer outros crimes, talvez até pior, como um homicídio por motivo fútil.

E o Maranhão? Por não ter pago seguro, Maranhão ficará sem a moto. Se quiser outra, vai ter que trabalhar mais alguns anos em seu “copo sujo”, pagando todos os impostos, cujo dinheiro deveria ser usado pelo governo para garantir o mínimo à população: saúde, educação e segurança.

Se existisse justiça, por não ter cumprido uma de suas obrigações, o governo deveria ressarcir o Maranhão, pagando-lhe o valor da moto. Da mesma forma, deveria acontecer com as famílias que têm um parente morto pela falta de segurança. Deveria existir uma lei, ou algum dispositivo, que obrigasse o governo a indenizar os pais que tiverem um filho morto dentro de casa com uma bala perdida, por exemplo.

Falando em lei, a legislação precisa se adequar a realidade. Todos nós sabemos que muitos adolescentes comentem crimes conscientes de que não cumprirão pena em presídio por causa da legislação. Sabemos ainda que os centros de reabilitação para menores de idade não funcionam. Por que continuar insistindo no erro?

Assim como os centros de reabilitação, os presídios brasileiros também não cumprem a função de ressocializar os criminosos. Pelo contrário. Quem entra numa cadeia, muitas vezes, sai ainda pior. A este problema, soma a superlotação. Também pudera. Não há pena de morte no Brasil. A propósito, isso me leva a outras questões: por que continuar permitindo que um assassino saia da cadeia para cometer outro homicídio? Com a consciência de que perderá a própria vida, será que uma pessoa terá a mesma disposição para matar outra?

A pena para quem tira a vida de outra pessoa deveria ser considerada como um suicídio, a reação de uma ação. Todo mundo sabe que, se pular de um prédio muito alto, vai morrer. Com a pena de morte, todo mundo deverá saber que, se matar, morre. Uma vida por outra, salvo homicídio culposo, legítima defesa, dentre outros casos que desagravam esse tipo de crime.

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