Blog do Paraíso: Conheça a história dos índios de Brasília

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Conheça a história dos índios de Brasília

Evidências materiais: pesquisadores identificaram 136 espécies de plantas de outros biomas, como o Mandacaru e a Craibeira que aparecem, respectivamente, nestas fotos que constam no laudo antropológico

De onde vieram os índios que hoje estão no terreno que fica no Setor Noroeste do Plano Piloto de Brasília? Como eles ocuparam esse terreno? Por que permanecem lá há quase meio século? Estas três questões, assim como outras que podem ser formuladas sobre os índios do Santuário dos Pajés, são respondidas no estudo antropológico de 49 páginas que o Blog do Paraíso teve acesso e noticiou pela primeira vez, no texto “Estudo confirma autenticidade de terra indígena no Noroeste”.

De acordo com o laudo dos pesquisadores, a ocupação da área da antiga fazenda Bananal, na Asa Norte de Brasília, começou durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1960), quando se deu a construção e a inauguração da atual Capital Federal do Brasil. Assim como milhares de nordestinos que vieram para Brasília em busca de melhores condições de vida, índios expulso de suas terras também migraram para a nova Capital.

Os primeiros índios a ocuparem o Noroeste, segundo o estudo, eram da tribo indígena Fulni-Ô. Falantes da língua Yatê, filiada ao tronco linguístico Macro-Jê, os índios Fulni-ô tiveram suas terras invadidas pelo município de Águas Belas, do estado de Pernambuco. “Desta situação resultou um processo de territorialização, tal qual definido por João Pacheco de Oliveira (1998: 55-56; 1999), isto é, uma reorganização social em que os indígenas tiveram de adaptar seu modo de vida a um espaço geográfico muito inferior em relação ao seu território de ocupação tradicional. Somou-se a isso o fato de naquele território ter havido o estabelecimento de um ambiente sociocultural, político-administrativo e econômico bastante adverso e hostil para os indígenas, o que resultou em fluxos migratórios contínuos para outras cidades do país, como é o caso do Rio de Janeiro e Brasília”, explica os pesquisadores no laudo antropológico.

Os índios Fulni-Ô começaram a chegar em Brasília em 1957 para trabalhar na construção da nova capital. Nos canteiros de obras, longe dos elementos naturais, os índios não conseguiam estabelecer o contato com seus ancestrais, manifestar suas crenças e praticar seus usos tradicionais da terra, como forma de satisfazer sua identidade espiritual. Eles, portanto, passaram a frequentar a área da antiga fazenda Bananal para realizar suas práticas religiosas que envolvem o manejo e o uso de plantas. De acordo com o estudo, as plantas usadas são espécies florísticas que têm, para os índios, diversas finalidades, dentre elas, combater doenças de origem espiritual e para rituais religiosos. A maioria das plantas são originárias da Caatinga e não do Cerrado.

De acordo com os pesquisadores, o índio segura na mão grãos que são variedades de milhos e, na outra foto, mostra o croá (importante espécie da Caatinga que tem seu uso no artesanato)

“Relativo ao levantamento botânico realizado na área, constatou-se que na comunidade indígena do Bananal a vegetação nativa do Cerrado se encontrava conservada e enriquecida com espécies de outros biomas, principalmente de espécies da Caatinga, as quais têm um valor simbólico e identitário para o grupo. Geralmente as plantas são trazidas como mudas, estacas ou sementes nas viagens que os indígenas fazem de aldeias no Nordeste, principalmente de Águas Belas. Foram identificadas 136 espécies a partir do nome vernacular e dos usos que fazem das plantas”, atesta o estudo antropológico.

A presença de espécies de outros biomas, segundo os pesquisadores, são “evidências materiais que atestam a ocupação tradicional indígena naquela parte da Capital Federal. Tais evidências são chamadas de ecofatos pelos arqueólogos, como pode ser constatado no livro Arqueologia, de Pedro Paulo A. Funari (2003)”.

A partir da década de 1970, a ligação dos índios com a terra localizada no setor Noroeste ficou mais forte, porque eles passaram a fixar residência nela. O primeiro a ocupar a área foi Santxiê Tapuya Fulni-Ô, ou João Mário Veríssimo, nascido em 05 de agosto de 1956, no município de Águas Belas. Santxiê, como é mais conhecido por todos, é filho de Phuwá ou Pedro Veríssimo e Many ou Maria Veríssimo, dois dos primeiros índios que frequentavam a área para realizar suas orações.

“A partir de então, a residência que Santxiê construiu na área da antiga Fazenda Bananal passou a ser vista como um ponto de referência para seus parentes Fulni-Ô e para indígenas de muitas etnias que passavam por Brasília para tratar de assuntos diversos: reivindicação de direitos e políticas públicas junto à FUNAI e a outros órgãos do governo federal, atendimento à saúde, procura de trabalho assalariado, venda de artesanato, participação em eventos políticos e culturais etc”, explica o estudo assinado por três pesquisadores.

Mas toda essa cultura dos índios brasilienses está ameaçada pela conclusão do projeto imobiliário do bairro Noroeste, pois, conforme conclui os pesquisadores no laudo antropológico, a presença das comunidades indígenas que estão lá, tanto física quanto simbolicamente, depende da preservação da área que hoje é conhecida como Santuário dos Pajés.


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